Entrevista

Anselmo Borges: “O poder mais perverso é o poder na Igreja”

23 dez 2021 17:46

Padre e teólogo, defende que a Igreja tem de mudar, que deve estar mais próxima das pessoas e ouvir mais os jovens

Anselmo Borges, padre e teólogo
Ricardo Graça
Maria Anabela Silva

Os católicos preparam-se para celebrar o nascimento de Cristo. Como seria Jesus se viesse hoje à Terra?
A mensagem seria exactamente a mesma. É a mensagem que o Papa Francisco tenta transmitir: que Deus é bom, é Pai/Mãe, ama a todos, mesmo aqueles que ninguém ama. O núcleo da mensagem de Jesus está no Deus bom. Mas há quem não esteja interessado nela, porque se Deus é bom eu também tenho de ser, se Ele não se vinga, eu também não me posso vingar. Já no tempo de Jesus houve quem não estivesse interessado, nomeadamente os sacerdotes do Templo que viviam de uma religião que oprimia o povo e que fizeram uma coligação com Pilatos, representante do Império, e Jesus foi crucificado. Os discípulos e as discípulas que O tinham acompanhado dispersaram, mas lentamente, e a começar por Maria Madalena, reflectindo sobre tudo o que Jesus tinha dito e feito, o seu comportamento, o modo como se relacionava com Deus e como morreu, fizeram a experiência avassaladora de fé de que Deus não O abandonou no nada da morte. Ressuscitou. Ele é o Vivente, e foram anunciar ao mundo que Jesus está vivo como desafio e esperança para todos.

E que vendilhões Jesus expulsaria hoje do Templo?
Os corruptos. O que vai por aí de corrupção, de ladrões, deixando tanta gente a viver na desgraça! Mas há mais. É uma vergonha o que se passou no Banco do Vaticano. O Papa Francisco quer pôr ordem e transparência nos dinheiros. Espero que consiga. O próprio escândalo da pedofilia também tem que ver com dinheiro. A Igreja francesa vai, e bem, arranjar 20 milhões de euros para indemnizar as vítimas dos abusos. É uma forma de tentar reparar essa tragédia. Mas a pedofilia tem de acabar. Os católicos não dão dinheiro à Igreja para que esta lave os seus pecados.

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) acaba de anunciar a criação de uma comissão para investigar os abusos sexuais na Igreja. Fez o que tinha de fazer?
Fez o que já se tinha feito na Alemanha e em França. Tenho muita confiança no actual presidente da CEP e estou convicto de que a comissão dá garantias de independência e que terá acesso aos documentos, fará o seu trabalho e apurará a verdade.

Escolheu para título do seu mais recente livro “O Mundo e a Igreja – Que futuro?”. No que à Igreja diz respeito, qual a reforma mais premente?
É urgente que cada católico - a começar pelo Papa, cardeais, bispos, padres, eu próprio - se converta, a partir desta tomada de consciência: 'Eu estou na Igreja porquê? A mensagem de Jesus interessa-me, a mim?'. Depois, a Igreja, como qualquer grande organização, tem de ter ministérios, ou seja, serviços, que têm de ser isso mesmo: serviços. A Igreja não pode ser uma hiper-organização de poder e de poderes. A Igreja está no Mundo para servir, seguindo o exemplo de Jesus, que disse: “Eu vim, não para ser servido, mas para servir”. Tem de ser uma organização que sirva as pessoas e a própria transmissão da mensagem. Não podemos continuar a usar linguagem completamente antiquada, que as pessoas não entendem. Por exemplo, no Credo continua a dizer-se: “Creio em Jesus, filho unigénito de Deus... gerado, não criado, consubstancial ao Pai”. Eu percebo, estudei teologia. Mas o que é que isso diz às pessoas?

Defende também que não se deve continuar a falar do pecado original. Alguma mãe acredita sinceramente que o seu filho ou filha foram gerados em pecado e que andou nove meses com o pecado dentro dela?
No quadro da evolução, o pecado original não é pensável. Podemos é dar-lhe sentido. A criança nasce inocente, foi concebida em amor, mas vem para um Mundo onde já há pecado. Pode ser contaminada, como acontece a um não fumador num espaço com fumadores. O baptismo serve para dizer àquela criança que foi sempre filha de Deus e, por isso, queremos comprometer-nos, a começar pelos pais, a que não seja contaminada pelo mal.

Fala da simplificação da linguagem, mas há correntes na Igreja que pedem o regresso da missa em latim…
E de costas. Isso não faz sentido nenhum. Estamos ali para celebrar a alegria que Jesus nos dá, lembrando o que Ele fez e quem é para nós. O que está subjacente nesta coisa de querer a missa em latim e de costas é o poder, mesmo que de forma inconsciente e subtil. Ou seja, querer mostrar que só o padre, o bispo, o monsenhor, o cardeal falam com Deus, porque sabem latim. Veja-s

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