Entrevista

António Manuel Ribeiro: “Continuamos a ser cavalos de corrida no nosso dia-a-dia”

2 dez 2021 19:00

O escritor, músico e líder da banda portuguesa de rock UHF entende que há uma intervenção que a cultura tem que praticar

António Manuel Ribeiro
IntouchStories
Daniela Franco Sousa

Num percurso de vida tão eclético, em que papel se sente mais completo?
Eu acho que é num bocadinho de tudo. Às vezes só me apetece escrever prosa e já vou com sete livros editados. E tenho tantos projectos…. mas também tenho digressões e tenho de fazer discos. Tenho de fazer e quero. Quero fazer coisas novas para revelar este tempo. Preciso de todas estas coisas. E preciso do palco. O confinamento pôs-me muitas interrogações sobre se valia a pena continuar. Porque nós, artistas, ficámos sem chão.

Como é que tem sido viver exclusivamente da arte em Portugal?
Penso que é complicado para a maior parte das pessoas. Se calhar, há 20 anos, para mim também seria muito complicado. E há 30, seria mais complicado. Houve uma altura na minha vida, há uns 22 ou 23 anos, em que decidi estabelecer à volta dos UHF e da música uma empresa, que gerisse tudo isto e que não se lamentasse, que fosse objectiva dentro do País que nós somos. E as balizas que eu construí à volta dos UHF fizeram- me passar em termos financeiros – muita gente sofreu e está ainda a sofrer – um bocado ao lado da crise nesse aspecto. A minha grande dúvida era se valia a pena continuar em face da anulação que rapidamente o espectáculo teve. Ou seja, veio uma borracha e apagou-nos o ano. O mapa de trabalho de 2020 passou para 2021 e já uma grande parte dele passou para 2022. Isto é inconcebível na estratégia de vida de uma pessoa. Nunca tínhamos passado por isto. Tivemos de nos adaptar, obviamente. Mas tive muitas interrogações.

Com mais de 40 anos de estrada, o que ainda o surpreende no público?
Em primeiro lugar, que continue connosco. O que quer dizer que valeu a pena e que fizemos coisas importantes, que as pessoas guardaram. E todos os espectáculos são diferentes. Eu faço por isso. Eu não faço espectáculos em policópia. Cada espectáculo há-de ter um reflexo. E esse reflexo vem muitas vezes do que é o público, mais actuante, menos actuante. Nós temos de ir à procura da interacção, do relacionamento mais emotivo. Eu vivo hoje em dia para que cada espectáculo possa deixar algo. Não é só o momento do ‘fomos abanar o capacete’ ou ‘fomos ouvir as canções que ouvíamos quando tínhamos 20 anos’. Não. É preciso que alguma coisa tenha acontecido e valido a pena. Há alguma coisa que é preciso semear e deixar em cada espectáculo.

E como é que o público ainda pode ser surpreendido?
Fizemos um espetáculo em Julho, no Porto, e foi gente de todo o lado, até do Algarve. E há dois anos e meio estivemos no Cineteatro Messias, na Mealhada, e, no fim do espectáculo, o programador veio ter comigo e disse-me: ‘António, vocês parecem uma religião. É que vem gente de todo o lado’. É que já cá estamos há muito tempo e as pessoas no fundo seguem-nos. E o público dos UHF já sabe, o público fiel já sabe…Tem de haver verdade, tem de haver seriedade, muita honestidade no trabalho do artista. Não é exibicionismos. Já não há. Se calhar houve, quando éramos mais miúdos. Neste momento, o que há é um respeito enorme por fazer uma coisa que valha a pena, que é estar em cima do palco durante um tempo e que isso tenha valido a pena para as pessoas.

Têm trabalhos na forja?
Estamos a gravar o novo disco de originais dos UHF. E a seguir acho que vou finalmente editar o meu disco infantil, que tenho escrito há muito tempo. Mas, para sair, tenho cinco livros. Porque em Março do ano passado, quando apanhámos o susto de termos de ficar em casa, confinados, quando a rua fechou, o bairro fechou, a cidade fechou e fechou o País, pensei: ‘o que vou fazer à minha vida?’. Comecei a mexer em todos os meus projectos e agora estou estoirado de trabalho. Acho que nunca trabalhei tanto na minha vida como agora. Estou a fazer isso tudo ao mesmo tempo.

E nos UHF, que temas o inspiram actualmente?
Eu faço fotografias da realidade. Nós continuamos a ser cavalos de corrida no nosso dia-a-dia. Se calhar, até mais do que há 40 anos. Porque os Cavalos de Corrida falam da vida violenta, opressiva das grandes cidades. Não se chega a horas a lado nenhum, de repente há um acidente, a ponte para e há filas… Tenho feito algumas canções ultimamente, que são outra vez de grande intervenção social. Faço canções para despertar as pessoas. Não aponto ideologias, não aponto setas para as pessoas irem para aqui ou para ali. As pessoas vão para onde quiserem. Mas tomem consciência do Mundo onde estamos a viver. Eu canso-me de ver o nosso País adiado. Já são muitas vezes que ouço as mesmas conversas, as mesmas palavras, e Por

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