Entrevista

Boaventura de Sousa Santos: “O ouro negro do século XX foi o petróleo, o ouro líquido do século XXI serão as vacinas”

3 jan 2022 12:30

Sociólogo e investigador diz que para muitos a pandemia foi um negócio e alerta para o aumento das desigualdades sociais

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Scarlett Rocha
Raquel de Sousa Silva

O futuro começa agora – da pandemia à utopia é o título do seu último livro, publicado em Novembro do ano passado e que analisa os impactos da pandemia em várias vertentes. O que é que a obra nos diz?

A primeira coisa é que, ao contrário do que se pensou no início, que seria uma crise sanitária passageira, esta pandemia veio para ficar. Em Novembro já dizia que iríamos entrar num período de pandemia intermitente, que caracterizaria o século XXI. E é por isso que o livro se chama O futuro começa agora. Esta pandemia veio alterar as formas de sociabilidade, as políticas de Estado, e se não se alterarem, então as sociedades irão sofrer ainda mais. Felizmente para o autor, infelizmente para a sociedade, está-se a confirmar o que previa. Estamos num período de pandemia intermitente e assim vamos continuar.

 

Intermitente porque a intensidade não é sempre igual…

Vamos passar por fases de crise aguda e por fases de crise crónica. Na primeira vamos confinar, usar máscaras na rua, no espaço público, estar em teletrabalho. No período de abrandamento tudo parece que vai voltar ao normal, mas de repente vem outra onda, que pode ser sazonal, sobrepôr-se ou não à gripe. O vírus está relacionado com as mudanças climáticas, com as alterações no clima, que desestabilizaram os habitats dos animais selvagens, entre os quais circulam muitos vírus, que nessas circunstâncias podem entrar em contacto com os seres humanos, que não estão protegidos nem imunes. Acontece isto há muitos séculos. Agora, a diferença é que há vacinas. Outra razão pela qual teremos uma pandemia intermitente é que o mundo não será todo vacinado a curto prazo. Isso é que era necessário e foi isso que a Organização Mundial de Saúde pediu e defendeu. Acontece que as grandes empresas farmacêuticas que produzem as vacinas não querem abrir mão dos direitos de patente, que tornam as vacinas muito mais caras, por um lado, e não permitem que elas sejam produzidas em África ou na Ásia, por outro.

 

No livro analisa também as desigualdades sociais…

Outra ideia do livro é que a pandemia veio agravar as desigualdades sociais. Quem morreu mais, foi quem já tinha sofrido de desigualdade, quer devido a pouco atendimento na saúde, quer por não ter grandes condições sanitárias ou de habitação, por falta de condições para teletrabalho e muitas outras razões que fizeram com que essas pessoas ficassem muito mais expostas. No livro mostro já estatísticas, que depois se agravaram. Por exemplo, os Estados Unidos, o país mais desenvolvido, foi dos mais atingidos e que pior se defendeu desta pandemia. É na população pobre negra que há a maioria das mortes, porque era a que já estava numa linha de maior precariedade.

 

No livro afirma igualmente que do ponto de vista capitalista uma pandemia é um negócio…

E foi. Veja-se o número de bilionários, que aumentou em todo o mundo ao longo da pandemia. E aumentou tanto mais quanto pior foi a protecção dos cidadãos durante a crise. O Brasil, por exemplo, teve um aumento grande de bilionários, os Estados Unidos também. Foi realmente um negócio. Até porque algumas áreas, sobretudo as ligadas ao mundo digital, tiveram um desenvolvimento extraordinário. O Zoom foi inventado por um jovem da Califórnia para permitir que os CEO das grandes empresas em diferentes países pudessem reunir. Com a pandemia, de repente, todo o mundo quis ligar-se por Zoom. Para isso, e para um uso continuado e de qualidade, tem de se pagar uma licença. Esse jovem transformou-se rapidamente num dos homens mais ricos do mundo. O capitalismo obviamente ganhou em algumas áreas, noutras não. Mas para muitos foi um negócio. Vejam-se as vacinas. Hoje, na literatura mundial, já designamos as vacinas como o novo ouro líquido. O ouro negro do século XX foi o petróleo, o ouro líquido do século XXI serão as vacinas. É por isso que as empresas não querem abrir mão das paten

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