Entrevista

Entrevista | Filinto Lima: “o secundário é um ciclo perdido”

29 mar 2018 00:00

O presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas afirma que o ensino secundário se limita a preparar os alunos, durante três anos, para um exame

Na semana passada cumpriu-se mais uma greve de professores. Por que razão é tão difícil um entendimento entre docentes e Ministério da Educação (ME)?
O que está em causa é o Governo querer retirar tempo que os professores deram com o seu esforço, cerca de nove anos, e dar apenas dois anos e dez meses. É um roubo. Não sou muito a favor das greves, mas esta parece-me justa. O que directores, professores e pais querem é que o governo e os sindicatos se entendam. Os sindicatos dos professores são fortes, embora ache que eles tiveram uma actuação muito fraquinha no primeiro mandato deste Governo. Se calhar tiveram mais motivos de razão de greve nestes primeiros anos do que no tempo do Nuno Crato [anterior ministro da Educação] e da anterior ministra. Percebemos porquê: há uma ligação forte entre quem está no Governo e quem está à frente dos sindicatos, que não devia existir, porque os sindicatos não deviam ser politizados.

O sistema de colocação de professores parece ineficaz. Por que não se consegue eliminar este problema em definitivo?
A situação está a melhorar, mas o director devia, de acordo com alguns critérios aprovados em Conselho Pedagógico e em Conselho Geral, poder reconduzir o seu professor. Dizemnos que temos autonomia, mas não temos autonomia para nada, a não ser para fazer aquilo que nos mandam. Tenho alguns docentes que para o ano já não serão meus professores, mas vou continuar a precisar deles. Por que não posso reconduzi-los? Não me parece que haja confiança do ME nos seus 811 directores, apesar de sermos as pessoas que diariamente dão a cara pelo ME.

O Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular já chegou a algumas escolas. Existe algum mal-estar entre os docentes, por ninguém querer perder horas das suas disciplinas?
É verdade que isso sucede em alguns locais e tem a ver com a profissão do professor. Por isso, o projecto deve ser aplicado sem ser feita com a perspectiva de roubar horas ao professor de Português para dar ao professor de Matemática. Este projecto aplica-se sobretudo às escolas do ensino básico, porque o secundário é um ciclo refém do ensino superior. É uma espécie de barriga de aluguer. No secundário, basicamente, preparamos os alunos para exame. É um ciclo perdido, porque durante três anos só preparamos os miúdos para uma prova de uma hora e meia. Deveríamos rever o modelo de acesso ao ensino superior.

Há quem defenda precisamente que deveriam ser as instituições de ensino superior a decidir a entrada dos alunos.
Essa é a nossa posição, mas não vejo a ser defendida por quem de direito. Deveria ser também o ensino superior a reivindicar. Deveria haver um debate público, porque isto é uma mudança estrutural entre quem está no ensino de grau não superior e as faculdades e, se calhar, a conclusão a que íamos chegar era que os alunos iriam melhor preparados para o ensino superior, porque não eram treinados só para os exames, mas teriam uma preparação para a vida, para aprender e para ter boas notas no ensino superior. Na minha opinião, o nosso secundário é um ciclo perdido.

Há exemplos de alunos que podem ser excelentes no secundário e péssimos no ensino superior e vice-versa.
Um aluno que brilhe - e muitos brilham - num exame do 12.º ano não dá garantias de vir a ser um futuro bom profissional. Entrou em Medicina ou Engenharia, porque tirou 19 ou 20, exactamente porque foi preparado para aquele exame. Temos muitos maus profissionais com boas notas de acesso ao superior. O acesso do ensino superior deveria depender muito mais da avaliação interna, porque durante os três anos não estamos a avaliar o aluno só pelos testes ou só pelos exames. É pelas aulas, pela forma dele participar e apresentar trabalhos. O que avalia o exame? Avalia se durante aquela hora e meia o aluno responde ou não àquelas perguntas de uma forma certeira. Damos muita importância às notas, mas é muito complicado desprezarmos um teste, que é uma coisa sagrada, embora já haja escolas pioneiras que estejam a avaliar os alunos para além dos testes, mas na nossa cabeça são os testes que contam. Se tiver um teste de Matemática ou de Português para nota 5 [ensino básico] há algum professor que vá dar um 4? Ninguém tem coragem. Este modelo da flexibilidade pode contrariar esse estigma que é a cultura que temos há muitos anos. Aliás, os pais gostam muito que os filhos sejam precoces e tenham boas notas.Até dão mais valor a isso do que às competências sociais e a valores e princípios como a solidariedade, equidade e justiça. O sistema também

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