Entrevista

Entrevista | Luís Paulo: “que nos façam uma homenagem bonita, seja qual for o resultado”

17 abr 2018 00:00

O guarda-redes do Caldas SC é o porta-voz de um sonho chamado Jamor

A próxima quarta-feira pode ser histórica para o Caldas Sport Clube. A equipa joga, com o Desportivo das Aves, a passagem à final da Taça de Portugal, em futebol. Apesar da derrota por 1-0 no campo do adversário, todos continuam a acreditar que o milagre é possível.

A começar pelo número 1, aquele que guarda as redes do clube centenário.

Se no início da temporada lhe dissesse que íamos estar aqui, em Abril, a falar sobre uma possível presença do Caldas na final da Taça de Portugal, não me iria levar a sério.

Iria claramente dizer que não estava bem. Acho que ninguém esperava. É uma coisa que não está ao alcance de qualquer clube, muito menos da dimensão do nosso. Não que não seja um clube grande, mas a realidade, neste momento, é outra.

O que é preciso para o sonho de estar no Jamor se tornar realidade?

Algo que este grupo já tem há muito tempo. Estou aqui há seis anos e sempre notei algo diferente dos outros grupos onde estive, que é a união, a forma como as pessoas se tratam. E não falo só em união entre jogadores, falo também entre a estrutura directiva. Há uma relação muito próxima, não há aquele distanciamento. E isso passa para dentro de campo, e é com muita união, acima de tudo, e muita concentração também, que vamos tentar fazer uma gracinha frente ao Aves.

É essa união o segredo do sucesso?

Também temos muita qualidade individual. Temos miúdos que têm muito talento. Não sei até que ponto é que, não desrespeitando o clube, o que nunca farei, não merecem outros voos. Mais tarde ou mais cedo vai acontecer.

Já sonhou com o Jamor?

Sinceramente, nunca. Tenho quase 29 anos e houve uma altura em que sonhei em ser jogador profissional. Neste momento, já não, porque os anos começaram a passar e as coisas foram estagnando. Quanto ao Jamor, sinceramente, nunca me passou pela cabeça. Temos agora uma oportunidade, sabemos que é difícil, mas vamos dar tudo para lá estar.

O campo da Mata será o 12.º jogador ou muito mais do que isso?

Muitas vezes imaginei como seria vê-lo cheio. Felizmente, no futuro, já poderei dizer que vi três vezes, mas mesmo cheio, com pessoas em cima dos muros e tudo. Queres falar comum colega que está a dois metros e ele não te ouve. A envolvente é tão grande, todos a gritar Caldas de um lado, Caldas do outro. Nunca vou conseguir explicar o que foram aqueles três jogos. Só quem os viveu é que sabe como foi impressionante.

Já andou a ver vídeos do Aves?

Sinceramente, não. Gosto de viver o momento quando ele chega e não estar a sofrer por antecipação. Quando chegarem aqueles dois ou três dias antes lá vamos ter de analisar o adversário e ver os pontos mais fracos, para podermos explorar. Depois, no jogo, quero divertir-me o mais possível. Ajudar a equipa e, se conseguirmos um bom resultado, óptimo. Se não conseguirmos, está tudo bem, não é por aí que a minha vida vai mudar. Há vida além do futebol.

Defendeu algumas grandes penalidades decisivas neste percurso. É sorte ou intuição?

O que sei é que já aconteceu algumas vezes ao longo da minha carreira. Há trabalho, há, mas também reconheço que a sorte é sempre precisa.

Por que razão quis ser guarda-redes?

Nem ligava muito a futebol, até que há um jogo que o meu pai vai ver do Benfica, em Leiria, no antigo Magalhães Pessoa, tinha eu uns seis ou sete anos. Comprou-me uma camisola do Michel Preud'homme e é a partir desse momento que começo a gostar da posição e a querer jogar futebol. Até que, no meu primeiro treino, no Bombarral, é essa a camisola que levo. Foi a partir daí que tudo começou. Foi desde o primeiro treino, de perguntarem quem é que queria ir à baliza e eu meter logo o dedo no ar. E depois foi trabalhar ao longo dos anos, até chegar ao momento em que vamos tentar ir ao Jamor.

Já dá autógrafos?

Essa é a parte que mais me custa e vejo que não nasci para isso. Enche-te o ego, sim, e gosto de ver as crianças a pedir para tirar fotos e para dar autógrafos. Já os adultos tenho alguma dificuldade em aceitar. Levo na brincadeira, mas percebi que não nasci para ser famoso. Não consigo imaginar como seria querer sair à rua e não poder.

O Caldas desmistificou as diferenças entre quem só treina e quem apenas treina depois de trabalhar oito horas?

Acaba por ser massacrante, para quem trabalha oito horas por dia, como é o meu caso, ainda ter de treinar ao final do dia. Houve anos em que chegava a Dezembro e começava a dizer que nunca mais acabava. Chegamos a um ponto em que te sentes exausto. Mas agora, como as coisas estão a correr, tem-se passado melhor: não sentimos tanto o cansaço e temos mais prazer em treinar. Entendo o treino como um escape à rotina diária. Estou com os meus colegas, divertimo-nos...

Importante, nesta fase, é mesmo aproveitar o momento.

Sim, mas com sentido de responsabilidade. Somos pagos, muito ou pouco, e temos um símbolo a defender. É lógico que não vou para o jogo brincar.

O que espera do jogo de quarta-feira?

Sabemos das dificuldades que vamos ter, mas também do que a Mata consegue fazer quando está cheia e ao rubro. Se sofrermos um golo praticamente estamos arrumados, mas não acredito nisso. O sonho está a ser acalentado e só deixarei de acreditar se realmente sofrermos um golo, porque depois teremos de marcar três. Por isso, é tentar marcar, equilibrar a eliminatória e esperar que o Aves trema um bocadinho. O Jamor está mesmo ali e vamos agarrar-nos a essa possibilidade. Gostava que quem for à Mata nos faça uma homenagem bonita, seja qual for o resultado.