De todas as palavras que descobriu enquanto escrevia estas crónicas para um público brasileiro, quais descobriu com mais prazer?
Há aquelas que a gente sabe que existem. Se isto fosse um livro, ou seja, se fosse directamente escrito um livro, eu não escreveria ônibus em vez de autocarro. Mas como isto vai para as páginas de um jornal primeiro, o tempo de leitura de um jornal, aquilo que se exige de um leitor de jornal é diferente. Eu quero que a percepção seja imediata, por isso não me custa nada substituir autocarro por ônibus. Eu acho que a mais surpreendente foi quando descobri que bufo, no sentido de tipo que denuncia à polícia, em português do Brasil se diz cagueta. Deu-me algum trabalho, mas é cagueta que eles dizem. Uma das coisas que me faz mais confusão quando vejo séries policiais hoje: é que nas séries do meu tempo, os polícias tinham de andar mesmo atrás do bandido. Eles agora pegam numa gota de sangue, vêem, e o DNA é o bufo, faz queixa do bandido à polícia, diz tudo. No meu tempo não era assim. Andavam mesmo aos tiros. A gente hoje vê uma série como o CSIe apanham o bandido com um cotonete. Acho inquietante.
Há uma dose de liberdade extra em escrever para um público que não conhece tão bem e numa língua que não é exactamente a nossa?
Sim, sobretudo por causa da primeira parte, ou seja, eu sinto que revelo coisas nestes textos que não revelaria se os estivesse a escrever cá. Por exemplo, a quantidade de referências que faço à família, mesmo que isso não revele nada de especial. Cá, estou mecanizado para que isso não aconteça, estou escaldado. É muito importante para mim que a privacidade das pessoas com quem eu vivo seja protegida.
O facto de ser o Ricardo Araújo Pereira e de ser humorista condiciona-o, no dia a dia?
Não, na verdade, não. Há condicionantes. Andar na rua, ir a sítios públicos, ir a restaurantes, apresenta- -me alguns constrangimentos. As pessoas abordam-me. Eu não me queixo disso, atenção.
Vive numa bolha?
Eu gosto de estar em casa, vivo bastante fechado em casa. Não sou eu que vou ao supermercado, é muito raro isso acontecer. Mas também não sou um eremita. Sempre fui assim uma espécie de bicho do mato. Não me custa nada estar em casa. Mas também, atenção, não é um drama. Se quero ir a um sítio qualquer, vou, não há nenhum problema. Até porque a abordagem das pessoas, que continua a ser embaraçosa para mim, por causa da timidez e não sei quê, o certo é que... eu vou me queixar de quê? As pessoas chegam ao pé de mim e dizem "Eh pá, gosto muito de si, podemos tirar uma foto?" O que é que eu vou dizer? "Ai que chatice, tantas manifestações de apreço, que maçada". Não.
Sente-se pressionado a ser o Ricardo Araújo Pereira bem-disposto e bem humorado?
Não, não, não. O que eu sinto é que a pressão está do lado das pessoas, paradoxalmente. Imagine que vai jantar com uns amigos e está lá um hipopótamo. As pessoas dizem: "Caraças, está ali um hipopótamo. Será que ele me vai fazer mal? Será que eu posso fazer uma festinha no hipopótamo? Será que eu estou a olhar fixamente para o hipopótamo e ele vai levar isso a mal?" Mas também tem tendência a passar, um gajo habitua-se a ter o hipopótamo à me
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