Entrevista

Entrevista | Tózé Brito, director da Sociedade Portuguesa de Autores: “Morreu um dos melhores de nós”

7 dez 2017 00:00

A comemorar 50 anos de música, o compositor recorda o carisma de Zé Pedro dos Xutos & Pontapés, fala sobre o futuro da indústria discográfica e sobre a necessidade de regulação da internet.

Daniela Franco Sousa

Zé Pedro... Conhecia bem o guitarrista dos Xutos & Pontapés?
Conheci-o muito bem. Fui editor dos Xutos muitos anos e viajei com eles para Macau. Foi um músico que conheci bastante bem e de quem fui grande amigo.

Ele era uma espécie de Keith Richards português?
Sim. Embora não goste muito de fazer comparações desse tipo. O Zé Pedro era a cara, a alma dos Xutos & Pontapés. Quando fechamos os olhos e pensamos na banda, a cara que nos vem à cabeça é a do Zé Pedro. A imagem e o carisma dele. Era uma pessoa encantadora e que tinha essa particularidade. Era talvez de todos os elementos dos Xutos aquele que tinha mais carisma. Era uma pessoa excepcional. Morreu um dos melhores de nós.

Como é que tanta gente diz que não aprecia Xutos e depois todos conhecem músicas deles e até as cantarolam?
Eu aprecio e muito. Estava na Polygram quando saiu o Circo de Feras, que foi o primeiro disco com uma visibilidade mediática muito grande e que os lançou para a carreira que vieram a ter. Penso que começa aí a grande exposição mediática dos Xutos. Todos os temas são fantásticos e todos os conhecemos. Quem diz que não conhece está com fraca memória de certeza.

E o que seria da cena musical nacional se Tozé Brito tivesse sido advogado, como gostaria o pai?
Seria igualzinha, mas com menos umas 500 canções. Destas canções, há umas 10% que o País conhece, que o País canta. Canções que ficaram no imaginário de muitas pessoas, que ficaram mais populares, que tiveram mais êxito e que ficaram a fazer parte do cancioneiro da música de Portugal. As outras, se não tivessem sido escritas, não fazia grande diferença.

Escreveu para as Doce, para a Simone, também para a Mariza. Como é compor temas para públicos tão diferentes?
É divertido. Mas nem toda a gente tem essa competência, esse ecletismo. Há autores que dizem 'queres-me cantar, cantas o que eu escrevo. Se não cantas, paciência'. Eu nunca funcionei assim. Talvez por isso tenha escrito para gente tão diferente ao longo de todo este tempo. São centenas as pessoas para quem escrevi, incluindo grupos, música infantil, teatro, cinema, televisão, para tudo e mais alguma coisa. Para ser ecléctico a esse ponto, tem de se pensar na pessoa para quem se está a escrever. Conhecê-la. Quando escrevi para Carlos do Carmo foi muito fácil. Já o conhecia há muitos anos. Quando pessoas novas me pedem para escrever, tenho de ir ter com elas, almoçar fora, conversar algumas horas, para perceber do que gostam e do não gostam, como foi a carreira delas até aí. E há um segundo passo muito importante. Não basta conhecer a pessoa que canta, tem de se conhecer o público a quem se dirige. Não se pode escrever uma canção que nos agrade a nós, autores, e que agrade à pessoa que a vai cantar, sem pensar em agradar ao terceiro elemento que é a pessoa que a vai ouvir. Se nos alheamos desse facto, podemos escrever uma excelente canção, para uma excelente voz, mas se as pessoas que compram os discos daquele cantor não se identificarem com aquela canção, ela vai passar ao lado.

Trabalha há 50 anos num circuito que muitas vezes se diz ser de “gente bonita” e de “gente com poder” . Como vê as situações de assedio sexual que chegam dos EUA? São comuns na cena artística?
Em Portugal tudo é pequenino. Não digo que não exista, mas não conheço casos. E se nos Estados Unidos, que é um país onde a indústria de entretenimento e as indústrias culturais têm um peso brutal, estas coisas demoram 50, 30 ou 20 anos a vir cá para fora, se calhar em Portugal nunca chegam a vir. Porque se calhar este é um País pequenino, onde as pressões são muitas e por isso as pessoas não se expoem. Mas não tenho conhecimento de nada disso. No entanto, foram-me feitas propostas desonestas, de outro tipo.

De que outro tipo?
Propostas que não têm nada a ver com sexo, mas com dinheiro. Quando se tem poder

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