Entrevista

Fábio Porchat: “Achei lindo aquilo que o Papa disse, que é possível fazer piada com tudo, inclusive com Deus”

26 set 2024 09:53

O comediante revelado em Portugal pela Porta dos Fundos acredita que o humor tanto serve para fazer esquecer os problemas como para denunciar e satirizar os poderosos (fotografia de David Nascimento editada a partir do original)

“Se a gente consegue rir, a gente consegue superar uma série de discordâncias”
David Nascimento

No próximo domingo, 29 de Setembro, o espectáculo Histórias do Porchat chega ao Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, no contexto de uma digressão que também inclui duas sessões em Caldas da Rainha, no CCC, dia 6 de Outubro. O texto inspira-se nas viagens que o humorista experienciou em vários países e continentes. Fundador do colectivo Porta dos Fundos, Fábio Porchat tem também trabalhado em teatro e na televisão, nos últimos anos. Durante a estadia em Portugal, volta a colaborar com a RTP e está a gravar um novo programa, o Guia Porchat, um roteiro gastronómico em vários episódios. Natural do Rio de Janeiro, no Brasil, tem 41 anos.

O que mudou no humor, enquanto indústria, nos anos recentes?
Hoje você pode fazer a piada utilizando todo o tipo de recursos e artifícios. O que, sei lá, há 20 anos era caríssimo fazer, hoje você faz em casa sem gastar um real. Claro que você tem de alcançar as pessoas, [é preciso] que as pessoas assistam, gostem, do que você está fazendo. E continuar fazendo. Mas eu acho que a gente vive um momento muito glorioso, digamos assim, para o produtor de conteúdo.

Com mais liberdade?
Um momento em que você pode ser, de verdade, quem você quer ser. Tem espaço para todo o mundo. Se você encontrar o seu público, você segue fiel àquilo que você quer e em que você acredita.

E para ser um nome que o público reconhece, vale mais a televisão ou a internet, hoje?
Tudo vale, não precisa escolher. Essa é que é a grande maravilha da coisa. Antes a gente só tinha televisão, agora a gente tem tudo. A televisão é tão importante quanto a internet é tão importante quanto a rádio. Por exemplo, o Porta dos Fundos, que popularizou aqui em Portugal, me fez chegar a um determinado público. E quando eu faço viagem em Portugal, nos programas da RTP, eu chego a outro tipo de público, que talvez não me conhecesse e que agora já sabe quem eu sou. Então, a gente consegue atingir públicos diferentes, dependendo da plataforma.

Com a fama, é inevitável que o feedback das redes sociais, tanto o ódio como a profusão de likes, acabe por influenciar o trabalho do artista?
Eu acho que assim era com a audiência, na televisão. É um pouco esse o olhar. Estão comentando a seu favor, parece que você está indo num bom caminho, se estão não achando graça, parece que não. O que acontece é que a gente não pode acreditar, não pode achar que aquilo é determinante, até porque a internet já começou a caminhar de um jeito em que, por exemplo, pessoas se juntam para falar mal de uma pessoa, assim como também se juntam para votar a favor. A internet acaba fazendo meio que um supersizing [superdimensionamento] de tudo. A gente precisa fazer uma análise do que está acontecendo, que é como as televisões faziam com a sua audiência para saber se a coisa estava indo bem ou não. Claro que as pessoas nas redes sociais, como não mostram a sua cara, muitas vezes não mostram nem o nome, elas se sentem mais à vontade para serem mais extremas, para o bem e para o mal.

Quando lhe acontece estar num jantar com desconhecidos e é o único humorista, fica estranho para si, fica desconfortável?
De um modo geral, a minha vida é fazer não comediantes rirem. Então, está tudo certo. E as pessoas também são muito engraçadas, porque não necessariamente só é engraçado quem é comediante. O bom é estar numa mesa com todo o tipo de gente.

Há mais humoristas de esquerda do que de direita?
Acho que é bem igual. Não posso falar por Portugal, porque eu não tenho esse conhecimento aprofundado. Acho que tem de tudo.

Está em Portugal para uma digressão com várias datas até Novembro. Que espectáculo é este?
São viagens que fiz pelo Brasil e pelo mundo. Me dei conta de que a maioria das histórias que eu tinha que eram divertidas e que me vinham à cabeça primeiro eram histórias de viagens e isso virou um fio condutor para armar esse espectáculo. Uma massagem na Índia, uma dor de barriga num avião no Nepal e o avião não tinha banheiro, um gorila que veio para cima de mim no Ruanda ou mesmo um hipopótamo que parou na minha frente e me encarou. Então, vou pegando nesses momentos curiosos, vou transformando em histórias. É uma peça que estreou em 2022, quando nem título tinha, chamava-se O Novo Stand-Up do Fábio Porchat, e que hoje mais de 260 mil pessoas já assistiram. Agora, eu poderia dizer que a peça está 50% diferente da peça que estreou em 2022, com novas histórias, novas viagens. É uma peça pronta, uma peça quente, uma peça já testada. No fim das contas, eu já chego agora prontinho para o português dar risada.

E inclui piadas sobre portugueses?
Há piadas sobre a minha estadia em Portugal, sobre as minhas confusões por aqui. Acabo transformando isso num dos beats, principalmente, quando venho a Portugal.

Faz sentido usar o humor para denunciar os males da sociedade contemporânea, aquilo com que não se concorda?
Eu acho que, o humor, ele serve para tudo. O objectivo principal do humor é fazer rir, ponto. [Você pode] utilizar o humor como uma arma para a denúncia, como uma arma para jogar uma luz em determinados assuntos, mas, o humor também pode ser para apagar a luz, para a gente esquecer um pouco dos problemas. A gente pode usar o humor como a gente quiser a nosso favor. Então, o humor serve para muitas coisas, também para ridicularizar e satirizar os poderosos.

No seu caso, há um tipo de humor favorito?
Eu de verdade gosto de tudo um pouco. Adoro piadas da quinta série, como a gente diz no Brasil, que são aquelas piadas bobas, mas também gosto de piadas certeiras que visam ridicularizar mesmo aqueles que estão com o poder na mão, sejam eles quem forem. Para mim, tudo vale. Eu acho bom é poder ter a possibilidade de fazer piadas em diversos lugares. Posso ser um pouco mais ácido no Porta dos Fundos, posso ser um pouco mais família na televisão, consigo ser no teatro um pouco mais do meu jeito, então, o bom é poder circular em tipos de humor diferentes, tipos de plateias diferentes.

E sem querer entrar no debate sobre os limites do humor, mas entrando, a humilhação do outro, do alvo da piada, para alguns humoristas, é um limite?
Cada um tem o seu limite. O Seinfeld não fala palavrão, esse é um limite para ele. Eu não vejo problema nenhum de falar palavrão, esse não é um limite para mim. Tem gente que gosta de fazer piadas de dark humour [humor negro] e isso pode ser muito engraçado, não é tanto a minha onda, então, na verdade, varia de cada um.

Voltanto ao espectáculo, as viagens costumam dar bom material para a comédia?
Espero que sim, porque eu escrevi uma peça inteira sobre isso. Quando você viagem, você sai do lugar comum, você sai do seu lugar de conforto, de segurança, e portanto você está mais aberto a situações curiosas, diferentes. Quando você encontra outros povos, outros costumes, faz com que você não tenha segurança sobre o que está acontecendo. Eu acho que isso é fundamental para a comédia, não é? Quando as coisas dão errado, quando as coisas se confundem, quando a gente acha que vai ser uma coisa e é outra. Isso faz a diferença e eu tento sempre que viajo estar com o olhar aberto.

Na série Viagem a Portugal, que o Fábio apresentou e a RTP exibiu, visitou a Marinha Grande e a Nazaré.
Foi uma viagem realmente muito profunda a Portugal. Foram seis episódios, saí lá de Miranda do Douro, fui parar em Sagres, passando por todas as regiões portuguesas. Foram 135 sítios, então, foi muito rico, muito potente, foi muito lindo. Eu guardo com muito carinho essas viagens a Portugal, por isso que resolvi voltar. Agora estou gravando uma série nova para a RTP.

O Guia Porchat.
Onde também caminho por cidades, para entender essa culinária portuguesa, de onde vem, que chefs estrelados são esses, aonde eles comem, o que eles gostam, então, é muito bom poder viajar assim, poder estar novamente em lugares que passei e visitei. É muito gostoso saber que Portugal está aqui me esperando.

Em geral, como tem sido a experiência nos palcos portugueses, em especial fora de Lisboa e do Porto?
É sempre muito bom poder me apresentar aqui em Portugal. E a verdade, todo o mundo ri da mesma piada em todo o lugar. Se é engraçado, ri o brasileiro, ri o português, ri o angolano, não importa, no fim das contas a piada está ali e feita para todo o mundo. O português está muito acostumado a consumir comédia brasileira. Claro que tem diferenças entre os lugares, mas, na verdade, há diferenças entre as plateias.

O que acha que levou o Papa Francisco a receber mais de 100 humoristas, incluindo o Fábio Porchat, este ano no Vaticano?
Foi muito especial ter ido com os comediantes lá para o Vaticano e achei lindo aquilo que o Papa disse, que é possível fazer piada com tudo, inclusive com Deus, e quando um comediante faz uma risada sem humilhar o outro, e alguém ri, Deus ri junto. E é um pouco isso que eu sinto que ele quis mostrar com essa reunião. Que é possível ser mais leve, que é possível rir, que é possível brincar e que há humor para todo o mundo. Então, quando uma pessoa como o Papa, tão representativa de uma religião, o líder dessa religião, ele diz “vamos rir”, acho que também está dizendo podemos ser mais leves, podemos ver a vida por um outro ponto de vista. Por isso, que ele estava ali colocando os humoristas num patamar elevado e acho isso simbólico, importante, ainda mais num momento em que está muita gente se odiando, brigando. Se a gente consegue rir, a gente consegue superar uma série de discordâncias e problemas, porque no fim das contas somos pessoas e pessoas precisam lidar com pessoas o tempo todo para estarmos bem.