Entrevista

João Duque: “Não se cria uma classe média pela via assistencialista”

9 out 2022 16:00

Professor catedrático no ISEG, defende que a intervenção do Estado devia orientar-se mais no sentido de criar condições para que as empresas possam remunerar melhor os seus trabalhadores

Professor catedrático no ISEG está preocupado com contracção das exportações
Ricardo Graça

Como vê as medidas adoptadas pelo governo para aliviar o impacto da subida da inflação na vida dos portugueses?As pessoas foram colocadas em primeiro lugar, as empresas em segundo. Pode fazer sentido. Mas pôr as pessoas em primeiro lugar, pode não ser suportá-las de forma directa. Se se perceber que ao apoiar as empresas se dão condições para que elas paguem remunerações interessantes, é preferível isso do que pôr as pessoas na fila de esmolas. Há em Portugal a filosofia de carregar nos impostos para alguém redistribuir. Mas há outras filosofias, que defendem que as partes, pelas suas competências façam fluir os rendimentos, sem ser numa óptica de redistribuir. Os governos devem ter a preocupação de proteger os mais débeis. Mas não se cria uma classe média pela via assistencialista.

Qual é a via que defende?
Mais orientação para as empresas, para que estas, de forma mais robusta, possam apoiar os seus trabalhadores remunerando-os melhor. O Estado devia concentrar-se nos que têm mais dificuldades. Esses têm obviamente de ser apoiados. Os outros têm de ser estimulados para que a sua competência e o risco das suas actividades sejam bem remunerados.

Uma sondagem recente do ICS/ISCTE revela que 48% dos inquiridos afirma que já é difícil ou muito difícil viver com o rendimento actual. A situação vai piorar?
É muito provável que sim. Vamos ter um abrandamento muito significativo da actividade económica no ano que vem. O Conselho de Finanças Públicas tem como projecção que o Produto Interno Bruto passe de 6,7% este ano para 1,2% em 2023.

Vamos ter uma recessão?
Com 1,2% estamos ‘à pele’. Se houver um desequilíbrio de 2%, em vez de um PIB de 1,2% teremos menos 0,8%. Este ano nem era expectável um crescimento desta natureza [6,7%]. A minha preocupação está nas exportações, que são maioritariamente para a Europa Central, onde é muito provável que haja problemas de produção e, por essa via, que haja contracção significativa das suas importações, nossas exportações. Isto preocupa-me bastante, porque as exportações têm um peso significativo no PIB português. Um afrouxamento forte das exportações terá um impacto enorme. Uma parte boa destas exportações são turismo e esta parte não estou a contar que seja profundamente alterada. Mas pode acontecer.

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