Entrevista

João Faustino: "Em Portugal ainda se trabalha muito com o coração. Faz-se o impossível para manter as empresas activas”

4 jun 2022 13:00

O presidente da Cefamol, reeleito para o sexto mandato, fala das dificuldades das empresas de moldes da região, confrontadas com a imposição de condições “leoninas” por parte da indústria automóvel

"Estamos a vender muito mais barato, mas temos custos muito mais elevados"
Ricardo Graça
Raquel de Sousa Silva

Quais as principais dificuldades sentidas actualmente pelas empresas de moldes?
A indústria enfrenta um conjunto de dificuldades, algumas das quais já vêm de 2018, quando começou a haver alguma falta de encomendas da indústria automóvel, devido à indefinição da motorização dos automóveis. Em 2019 as encomendas caíram ainda mais e depois veio a pandemia. Associado a ela, veio todo um conjunto de problemas, que se traduziu muito na falta de encomendas e nas condições de pagamento. Muitos clientes querem que seja a indústria de moldes a financiar a fabricação das obras durante o seu decurso e muitas vezes até para além desse tempo. Para ser competitiva, a indústria de moldes tem de fazer investimentos intensivos. Ora, havendo menos negócio, tendo-se as margens deteriorado, havendo um conjunto alargado de empresas que fizeram investimentos para se modernizarem, criaram-se alguns problemas de falta de liquidez, que ainda se hoje se sente nas empresas.

A guerra na Ucrânia veio acentuar os problemas?
Quando no final do ano passado as coisas estavam a começar a acelerar, eis que surgiu a guerra, que veio baralhar tudo o que eram boas perspectivas.

Há dificuldade em obter matérias-primas, os preços estão mais altos…
Sim. Sentem-se dificuldades em conseguir matérias-primas nos prazos ajustados às nossas necessidades, o seu preço subiu nalguns casos 80%. Além disto, há os custos energéticos. A retoma que se começou a notar não estava alicerçada nos preços europeus, mas nos preços a que os nossos clientes compravam na China. Ou seja, temos um conjunto delicado de problemas: estamos a vender muito mais barato, mas temos custos directos e indirectos muito mais elevados.

Há empresas a aceitar trabalhos por preços que não pagam os custos de fabrico?
Muitas, todos os dias, para se manterem activas. Mas o que acontece connosco acontece igualmente com os alemães, por exemplo. Conheço fábricas alemãs de moldes que, neste momento, para terem actividade, aceitam o que o cliente puder pagar. Mas os alemães têm uma filosofia diferente da nossa. Quando não der, não dá, fecham a empresa e acabou. Em Portugal ainda se trabalha muito com o coração, faz-se tudo e mais alguma coisa, o possível e o impossível para manter as empresas activas, em funcionamento, e para manter os postos de trabalho.

A indústria portuguesa de moldes assentou o seu crescimento na indústria automóvel, que é a principal cliente, mas tem adiado o lançamento de novos modelos. E as empresas de moldes ressentem-se desta situação…
Há 20 anos, a BMW tinha um modelo de jipe, o Série 5. Hoje tem oito. O mesmo aconteceu com todas as outras marcas. Isto para dizer que a quantidade de modelos e de plataformas foi crescendo nos últimos anos, originando a necessidade de novos moldes. O nosso crescimento foi baseado nisso. Por que é que estamos tão dependentes da indústria automóvel e não apostamos noutros sectores? Porque muitos deles saíram da Europa, onde hoje já não se produzem televisões, por exemplo. Electrodomésticos são poucos os fabricados na Europa. Há todo um conjunto de sectores que há uns anos eram clientes da indústria portuguesa de moldes que fugiram para a Ásia. Claro que há nichos nos quais podemos apostar, como a indústria médica, que é enorme, mas é preciso muito lobby para entrar.

E a aeronáutica?
É outro exemplo. Há uns anos, quando a Embraer veio para Portugal, um conjunto de empresas fez treino e acções, cá e no Brasil, para poderem ser fornecedores. Não conheço nenhuma empresa portuguesa que tenha participado nesses cursos que esteja neste momento a fornecer peças à Embraer.

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