Sendo especialista em urbanismo e organização do território, entende que, em Portugal, estamos a organizar o território para fazer frente às alterações climáticas?
A questão tem de ser vista em toda a sua complexidade, pois é um tema que não resiste a uma análise mais aprofundada. O problema das alterações climáticas é um pouco como o da inteligência artificial. É galopante, é vertiginoso e vemo-lo acontecer a uma velocidade tal, que exige um esforço de adaptação que, provavelmente, está para lá das nossas capacidades. Ou seja, o território existe já, com os seus artefactos e comunidades e não podemos simplesmente ignorar esse facto, redesenhá-lo e refazê-lo eventualmente adaptado - porque não o saberíamos na verdade - às alterações climáticas. Da mesma maneira que também não podemos alterar toda a estrutura económica e todo o mercado de trabalho à velocidade a que a inteligência artificial vai penetrando e tornando obsoletos muitos empregos. São dois temas que merecem uma grande reflexão e, para os quais, não tenho uma resposta definitiva. Evidentemente, é um esforço que se tem de ir fazendo e a formação de respostas não pode deixar de ser progressiva.
Começa-se por onde?
Pode começar-se por pequenas coisas. Ao nível do território, pode começar-se por temas como a permeabilidade dos solos, a energia que usamos, o reaproveitamento dos edifícios... Mas isto também levanta questões sobre o ciclo de reciclagem e o reaproveitamento. Estaremos verdadeiramente preparados para as alterações que se impõem? Porque tal colide também com um conjunto de valores que, muitas vezes, associamos aos territórios e à arquitectura. Este ano, estive nos Açores a estudar casos de reciclagem de edifícios e uma das questões que se pôs foi a de saber se aqueles edifícios corresponderiam ainda à ideia de uma arquitectura de qualidade, como habitualmente a entendemos. O sonho de uma casa nova é, para muita gente, recorrente ainda hoje. Assim, temos de equacionar essa questão, que está ligada directamente à qualidade da construção, aos parâmetros que a legislação impõe e, por outro lado, poderá não ser compaginável com as soluções que precisamos. No caso da habitação, a questão é flagrante já que se trata de processos que exigem uma aprendizagem e que dificilmente podem atender à urgência do problema. Além de que também temos de saber até que ponto isso perdura no tempo, porque a arquitectura está associada a uma ideia de perenidade e estabilidade que poderá não ser compatível com alguns dos nossos valores culturais. Apesar de tudo, temos centros históricos, como o de Leiria, onde a arquitectura tem a função de testemunhar um tempo e um modo de vida.
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