Entrevista

Manuel Soares: “Os parques naturais não se podem limitar a passar multas, quando as regras não são cumpridas”

30 set 2021 16:13

Presidente da Federação Portuguesa de Espeleologia, explica que a exploração das grutas e algares da região pode estar comprometida por novas normas de gestão do território

Manuel Soares
DR
Jacinto Silva Duro

Quais as razões que levam a Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE) e grupos como o Núcleo de Espeleologia de Leiria a discordarem com a proposta para um novo regulamento de gestão do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC)?
Esta proposta de regulamento de gestão, denominado Programa Especial do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PEPNSAC), que esteve em consulta pública até 31 de Agosto, foi elaborado sem que a FPE, enquanto representante dos espeleólogos pertencentes a associações nela inscritos, tivesse sido consultada para dar o seu contributo em matérias tão específicas e importantes. Tanto mais que existe um protocolo de parceria no âmbito das actividades de espeleologia assinado com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), onde se refere que este reconhece a FPE como interlocutor privilegiado em matérias relacionadas com a espeleologia e com o uso das grutas.

Uma das críticas que fazem é que o regulamento iria transformar a espeleologia, uma actividade técnica, complexa e de algum risco, num “mero exercício desportivo”, para o qual seria necessário apenas um pedido prévio de autorização para levar um grupo a descer uma gruta.
Precisamente! Isso vai contra as recomendações de organismos importantes! Por exemplo, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) refere que toda a actividade em grutas e cavidades naturais deve ser conduzida por espeleólogos experientes e que o resultado dessas explorações deve ser utilizado na melhoria da gestão das áreas classificadas. Mas a proposta de regulamento do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) não contempla isso.

Mas o regulamento também dificulta a actividade aos espeleólogos...
Temos de ter a noção que, em Portugal, provavelmente 99% dos espeleólogos são amadores e não profissionais. Pode haver um ou outro caso de pessoas que pratiquem a nível profissional, como eu próprio já o fiz, em tempos. Porém, de modo geral, promovemos esta actividade de forma gratuita e voluntária, de acordo com os interesses pessoais e colectivos, quando tal nos é possível. Usamos o nosso tempo livre para o fazer e isso não é compatível com a obrigação de fazer comunicações ou pedidos prévios de autorização para explorar uma gruta específica e em determinada data, tendo de esperar 30 dias por uma resposta, que poderá ser negativa. É uma actividade colectiva e esses prazos não são compatíveis com a prática espeleológica em Portugal. Os espeleólogos têm as competências necessárias para a exploração e a condução de actividades em grutas. São credenciados pela FPE e detentores de formação ética, técnica e científica, possuindo alta sensibilidade ecológica e conhecimento dos riscos para os participantes envolvidos na visitação de grutas.

A FPE reuniu com o ICNF para apresentar o seu entendimento sobre o regulamento. Qual foi o resultado?
A consulta pública terminou e o que ficou estabelecido, após transmitirmos as nossas reservas é que, quando se passar à fase seguinte, o ICNF estudará as propostas e verá quais são as passíveis de serem integradas no documento. Ficámos com a promessa de sermos chamados para discutir esses pontos.

No nosso País, é aos espeleólogos amadores a quem cabe fazer a cartografia das cavidades, algo que é importante para a identificação de recursos naturais hídricos, reconhecimento da biologia e até do património arqueológico.
Não conheço ninguém que faça esse trabalho profissionalmente. As grutas são criadas por cursos de água subterrâneos e os nossos maciços calcários são os maiores reservatórios de água potável que conhecemos. É assim no Maciço Calcário Estremenho, coberto parcialmente pelo PNSAC, na Serra da Arrábida, nas Serras de Sicó e Alvaiázere e em todos os outros maciços calcários. Nesses locais, foram os espeleólogos que mais contribuí

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