Entrevista

Mário Matias: “Eu sou o Mário Matias. Sempre fui só Mário Matias”

7 ago 2025 08:00

O ex-presidente da Caixa de Crédito Agrícola de Leiria, ocupou o cargo durante 45 anos, transformando profundamente a instituição e a actividade bancária nacional. Criou a Fundação Caixa de Crédito Agrícola para apoiar a comunidade e ligá-la ao banco, foi um dos pais da UDL, impulsionou o desporto da região e foi vereador pelo PS

Mário Matias
Foto: Nuno André Ferreira
Jacinto Silva Duro

Em 2000, justificava ao JORNAL DE LEIRIA o mecenato cultural e social da Caixa de Crédito Agrícola de Leiria com a crença de que era preciso retribuir a confiança das pessoas de Leiria. Foi assim que surgiu a ideia de criar a Fundação Caixa Agrícola de Leiria?

Quem quer dar, abre a carteira e dá. A Caixa já fazia isso, mas não de forma organizada e havia que chamar pessoas para a Fundação que tivessem uma ligação à sociedade. É que a Caixa tem à volta de 11 mil sócios e às Assembleias Gerais vão 60 ou 70. A comunidade não “vive” a Caixa. É uma associação com muitos sócios, mas não lhe dá importância. É um banco como outro qualquer. E, portanto, criar a Fundação, não foi só generosidade, tenho de confessar. Tinha de haver um objectivo. A Fundação aliou personalidades que ligassem a comunidade à Caixa. O presidente do Conselho Fiscal é, desde o princípio, Raul Castro, da Batalha, depois temos a Filipa Esperança, que é de Leiria, temos o presidente da Câmara de Ourém... No Conselho Geral, temos Isabel Damasceno, Álvaro Órfão, Carlos André, Cristina Nobre, José Alho, Helder Roque, Helena Vasconcelos... são cerca de 20 pessoas que representam a comunidade e a quem prestamos contas. Se a Fundação recebe um euro da Caixa, é um euro que chega aos subsídios, pois, no caminho não se perde nada. Cada cêntimo que recebemos na Fundação é um cêntimo que é aplicado na cultura e no apoio à comunidade. Nos estatutos, de 2004, explica-se que a nossa ideia não é competir com ninguém. A sociedade já se organizou em bandas, em bombeiros, em organismos. Queremos ajudar e reconhecer o trabalho de quem há está a fazer coisas.

Como foi transformar a Caixa de Crédito Agrícola de Leiria?

Quando o barão de Salgueiro promoveu a criação da Caixa de Crédito Agrícola, a 3 de Janeiro de 1915, conciliou os monárquicos e os republicanos e o banco foi criado como cooperativa de responsabilidade solidária ilimitada. Os sócios entravam e davam a relação dos seus bens para uma lista. O primeiro prédio listado era do barão de Salgueiro e é o Moinho do Papel. Estes imóveis eram usados como garantias dos negócios da Caixa. Assim, ela não podia ter prejuízos. Se os tivesse, no final do ano, eles eram rateados, em percentagens, pelos sócios, em função do valor das propriedades. Era uma bomba que estava ali. Salazar acabou com isso e entregou a fiscalização das caixas, a nível nacional, à Caixa Geral de Depósitos (CGD), em 1926. Éramos um escritório da CGD e íamos amealhando alguns lucros. No primeiro ano, tivemos seis escudos [três cêntimos] que foram para um fundo. O controlo era muito grande e o desenvolvimento foi muito pequeno. Quando eu tomei posse como presidente, tínhamos 43 mil euros, em Março de 1980. Mas todas as 144 caixas nacionais do Crédito Agrícola Mútuo tinham 2,3 milhões de euros. A Caixa de Leiria tinha 2% desse valor. Percebi que, se pretendia transformar a Caixa de Leiria, a minha acção não podia ser só cá, mas tinha de ir para o âmbito nacional, pois não podíamos crescer e desenvolver-nos sem as outras. Contactei-as e disponibilizei-me. Durante 11 anos, trabalhei muitos domingos e quase todos os sábados... de borla. Fui vice-presidente da Fenacam - Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, durante 15 anos, na Caixa Central. Fui designado pela Caixa Central para coordenar a Comissão Instaladora da Caixa Central, para fazer os estatutos, e, nos princípios de 84, a Caixa Central estava montada. Mas a questão de não poder ter prejuízos, não tinha desaparecido. As caixas tinham de atingir o capital exigido pelo Banco de Portugal, para serem verdadeiramente bancos. Nos bancos nacionais, são 17,5 milhões de euros e, nas caixas agrícolas, são exigidos 7,5 milhões. Criámos um fundo de garantia de solvabilidade, de que me tornei administrador. Mas em 1991, a Caixa de Leiria, já tinha 28 milhões de euros. De 43 mil euros, em 1980, para 28 milhões! No final do ano passado, o capital social eram 118 milhões. Leiria, tal como outras caixas, hoje tem autonomia. Já não estamos ligados à Caixa Central e actuamos nos concelhos de Leiria, Marinha Grande e Ourém.

Como era a Leiria dos anos 50, quando começou a trabalhar?

Não havia dinheiro, e as pessoas iam para a emigração. Recordo-me de episódios de quem ia à Caixa de Crédito pedir dinheiro para que a família tivesse um pé-de-meia, para a mercearia, enquanto procuravam trabalho e dinheiro, em França. Muitos pediam dinheiro emprestado, com as lágrimas nos olhos, para não desampararem os filhos e mulheres. Quando corria bem, regressavam ao balcão, já vestidos de outra maneira, e eram até rudes. “Ouça lá, devo alguma coisa?!” Eu dizia que, para mim, era uma alegria as pessoas terem essa atitude, porque entendia que tinham de se redimir da humilhação de terem ido pedir dinheiro. Depois disso, houve centenas de empresários que promoveram o desenvolvimento. Estas pessoas tiveram mérito, criaram uma região com pujança, com iniciativas, e as estatísticas mostram isso. Para muito, terão contribuído as associação empresariais, nomeadamente a Nerlei, e o IPL, que foram grandes motores de desenvolvimento. Nas estatísticas, esta região sobressai, com exemplos de empreendedorismo bastante evidentes. E há empresas que vêm de fora, que se instalaram cá, pela facilidade de acessos, localização no Centro do País e factores como a mão-de-obra qualificada com que o IPL tem ajudado.

Este conteúdo é exclusivo para assinantes

Sabia que pode ser assinante do JORNAL DE LEIRIA por 5 cêntimos por dia?

Não perca a oportunidade de ter nas suas mãos e sem restrições o retrato diário do que se passa em Leiria. Junte-se a nós e dê o seu apoio ao jornalismo de referência do Jornal de Leiria. Torne-se nosso assinante.

Já é assinante? Inicie aqui
ASSINE JÁ