Entrevista

Paulo Pinto : "Inteligência Artificial não é copiar, é enriquecer"

28 dez 2024 11:00

O CEO da La Redoute em Portugal fala sobre os desafios da gestão da marca internacional

Daniela Franco Sousa

La Redoute está presente em Portugal, sediada em Leiria, há mais de 30 anos. E continua a focar-se nas vendas à distância, mas desapareceram os clássicos catálogos de vestuário em papel. Que exigências se colocaram à época em termos de gestão?
O elemento mais relevante foi, de facto, o aspecto humano. Ao evoluirmos para a digitalização da empresa, um conjunto de missões que eram feitas, passaram a ser feitas com outro enquadramento. O próprio canal de venda passava a utilizar a Internet, o que mudava bastante o paradigma existente, nomeadamente à volta da velocidade, do tempo de contacto e da abordagem de marketing. A abordagem de marketing no passado era aquilo que nós chamávamos uma abordagem técnica de push, agora é de pulo. Ou seja, o cliente tem que vir ao nosso site. E antigamente nós mandávamos promoções na caixa de correio e ali imediatamente ele ia ver no catálogo. Essa evolução foi, antes de mais, uma grande mudança humana na forma de abordar o marketing. E muitas missões tiveram que evoluir para outros conceitos.

Os artigos comercializados também passaram a ser mais diversificados. De que forma perceberam que as necessidades do público estavam a mudar? É a concorrência e o consumidor em si que levam a isso. Naquela década, o fast fashion estava no auge, puxado muito pela Zara, Inditex, mas também por outros como a Mango, a H&M, etc., que estavam dentro da área onde nós também estávamos. O modelo tradicional das duas colecções estava a ser completamente ultrapassado para muito mais colecções ao longo do ano. E havia sazonalidades em termos de tempo, que estavam completamente a evoluir. Como se vê hoje. E esse modelo estático que existia não tinha razão de ser, porque o consumidor queria muito mais agilidade e conveniência consoante o que estava a suceder à sua volta.

Não deixaram por completo o vestuário, mas vieram muito mais sectores. Fizeram inquéritos, estudos de marketing regulares ou é também necessária sensibilidade para perceber as alterações nas tendências?
Nós fazemos isso. Todavia, aquilo que surgiu foi a vontade de apostarmos no enquadramento lifestyle, que era a tendência de fundo nos anos 2010 em diante. E a casa começava a ter mais relevância e então quisemos apostar mais nesse segmento. Porque a concorrência também na área do têxtil era cada vez mais forte, agressiva, do primeiro preço em muitas áreas. E, para nos diferenciarmos, era necessário apostar de facto numa área em que conseguíssemos dar uma mais-valia e uma diferenciação ao consumidor. E a área da casa, através do têxtil, lar e dos móveis. Eram áreas que conhecíamos um pouco e que fomos conhecendo muito mais e vamos trabalhar muito mais.

A gestão do negócio em Portugal é diferente da gestão que se faz na casa-mãe?
Não. Não é diferente e no futuro será ainda menos diferente. Porque será cada vez mais uma empresa global.

Mas haverá algumas directrizes basilares, transversais, e depois ligeiras adaptações feitas ao contexto português…
Isso é o que existe presentemente. Há uma colecção global para todos e depois cada qual vai enfatizar o que achar mais conveniente. E dou um exemplo concreto. No mundo do fashion, Portugal é o País cuja primeira família de produtos é sempre a do calçado, não é a da mulher. E na grande maioria dos países é sempre a mulher e depois o calçado. Portugal sempre foi um País onde a apetência pelo calçado era muito grande, também por causa da oferta do mercado e das marcas que temos. E então sempre foi uma família de produtos que se vendeu muitíssimo bem. Ou seja, existe um global plan, sim, que cada um aplica em 80% ou 90%, mas depois há especificidades. Por exemplo, por causa do tempo. Nós temos uma campanha de jardim, que começa mais cedo do que noutros países. São especificidades ligadas à vivência de cada país.

As decisões do gestor são um processo solitário ou são trabalhadas em equipa?
São trabalhadas em equipa, mas a verdade é que depois as negociações orçamentais nas multinacionais são muitas vezes….o termo solitário pode não ser o mais indicado. Digamos que a gestão do orçamento é um pouco como no meio da política. Cada linha é passada a pente fino e justificada, ou seja, o orçamento é a Bíblia do ano seguinte. Nesse sentido, há muitas negociações que se podem fazer. Há anos mais fáceis do que outros, porque nos orçamentos consta um conjunto de variáveis. Não estou a pensar em nada em específico, mas muitas vezes é mais fácil a partir da linha mestra que está definida, irmos aprofundar com as equipas o melhor caminho para lá chegar e algumas mais-valias que podemos incrementar.

A pandemia e o confinamento reforçaram o comércio online e impulsionaram as vendas. Tiveram de reforçar as equipas e ajustar as estratégias para ter capacidade de resposta?
Sim, todo o digital a nível mundial se reforçou. Mas depois estabilizou e hoje em dia voltou-se um pouco quase à estaca zero. Mas as vendas mantiveram-se em alta a partir daí. Sim. Apesar de decrescerem um pouco, estão melhores do que no pré- Covid. Ainda assim, o fim da pandemia levou à redução da equipa. Não foi imediato. Foi gradual, como se tem ouvido um pouco no mundo inteiro. Porque toda a gente também investiu muito mais no digital, havia muito mais concorrência, surgiu um conjunto de elementos que vieram mudar. E dou um caso muito concreto. Recentemente foi publicado um estudo sobre e-commerce, sobre a actividade em Portugal e a sua concorrência. A dinâmica dos players asiáticos e da Amazon, através da Espanha, é muito forte presentemente em Portugal.

Quantos são actualmente os elementos da vossa equipa em Portugal?
Nós temos três áreas. Temos a área da marca, que faz e-commerce, mas também temos uma área de serviço partilhado com a informática e de serviço partilhado com a contabilidade. Directa e indirectamente trabalham quase 200 pessoas para a empresa. Falo em directa e indirectamente, porque depois do Covid-19 os contratos de trabalho já não são a mesma coisa. Temos pessoas que não têm contrato com a La Redoute, mas que só trabalham para nós.

Como é que se reage aos picos e às baixas de encomendas?
Não é fácil. Mas, antes de mais, existe uma certa semelhança de ano para ano, em termos de ciclo de venda. O ciclo é relativamente uniforme e depois as mecânicas são trabalhados para manter a sua uniformidade, porque a organização normalmente já está preparada para ela. É evidente que o período mais forte para toda a gente é o Black Friday. No resto, já não há assim um gap tão grande. Estes meses são muito fortes e é no retalho em geral que no fim de ano se faz uma grande parte da facturação. Além das vendas online, têm vindo a apostar em lojas físicas.

Já tiveram uma no Porto, outra em Lisboa. Por que razão?
É sempre para responder a determinadas necessidades. Não é uma estratégia contínua. As lojas de Lisboa e Porto já não existem, mas poderão reabrir daqui a um ano ou dois. Ou seja, as lojas pop up têm como objectivo mostrar a colecção, numa lógica de showroom.

Disse recentemente que a La Redoute pretende investir no Business to Business. Como está a correr essa vertente?
Essa é a área estratégica mais forte dos próximos anos. Já está a decorrer, está a correr muitíssimo bem e tem objectivos de crescimento muito fortes para os próximos anos.

Como se trabalha para que a La Redoute seja uma marca reconhecida pelo público? Conseguem chegar a todos ou existe um perfil dominante do vosso cliente?
Há um per­lfil dominante que é a mulher de família, dos 25 aos 55 anos. Todavia, alargámos depois um pouco isso e a forma de nós trabalharmos é muito através do no nosso marketing digital. Não só com a nossa base de dados, mas também depois muito em termos de pesquisa, tanto do Google como do Meta. E trabalhamos muito as redes sociais, através da rede de influenciadores, com quem temos planos contínuos há muitos anos.

De que forma os factores ESG, da responsabilidade ambiental, social e de governação corporativa, interferem na vossa gestão?
No primeiro ponto, mais relevante e estrutural de todos: o produto, que tem de atender às normas, tem que ser ecológico. E as entidades que estão connosco têm que respeitar as boas práticas. É a base de tudo e levou a algumas evoluções, no sentido em que há uma grande vontade de comprar mais na Europa do que em mercados mais distantes. Por muitos, muitos motivos, entre os quais a descarbonização. E continuamos com as nossas políticas também locais, sociais, que continuam e são reforçadas.

Muito se questiona sobre o impacto da inteligência artificial nos negócios. A La Redoute integra estas ferramentas na sua actividade?
A La Redoute já integra esta ferramenta na sua actividade, mas eu sou muito mais apologista de que deve ser uma ferramenta que ajuda no quotidiano das pessoas. Para melhorarem as suas performances, os seus conhecimentos, etc. Ela está a ser aplicada com bom-senso na nossa organização. Estamos em fase de arranque. Não estamos tão desenvolvidos como outras organizações e nem sequer vejo isso como um inconveniente. Acho que tem que ser passo a passo. O importante é que essa ferramenta seja apropriada pelas equipas para poderem ser mais eficientes.


Mas como é que se ajusta uma equipa tão vasta à utilização destas novas tecnologias?
Passa primeiro por ensinar o que é essa tecnologia, por formação. Fala-se muito no ChatGPT, mas há imensas ferramentas que vêm de facto melhorar a eficiência das pessoas e cabe às organizações mostrar que inteligência artificial não é copiar, é enriquecer.

Que grandes desafios se colocam no futuro às empresas, em matéria de gestão?
Desafios humanos. Como vamos gerir as pessoas, no meio envolvente que temos hoje, com as ferramentas a evoluir continuamente. Temos que compreender que o trabalho depois do Covid-19 veio a ter uma percepção diferente. Há muito mais trabalho híbrido, teletrabalho, os anseios das pessoas são diferentes e tecnologia ainda vem colocar mais ênfase nessa problemática.