Quando foi reconduzido no cargo de superior geral da Sociedade Missionária da Boa Nova, disse que o paradigma da missão mudou e que o verbo “escutar” tem de ser cada vez mais uma atitude fundamental do trabalho nas comunidades.
A escuta é algo que o Japão, onde fui missionário, nos ensina. Nós, ocidentais, somos gente de muitas palavras e, por vezes, falamos, falamos, sem dizer muito. No Japão, pela dificuldade da língua, passamos os dois primeiros anos a frequentar uma escola de japonês. Somos como bebés nessa aprendizagem e isso ajuda-nos a desenvolver a consciência, no nosso interior, de que é necessário escutar, mais do que ensinar, mais do que "dar" a partir de uma posição de sobranceria, como se "eu fosse aquele que tem uma mensagem para dar". Até pode ser assim, mas temos de escutar primeiro. Isso é muito mais importante. É importante aprender e caminhar com alguém e ser companheiro de estrada. No Japão, temos de ser companheiros de caminhada, alicerçando e fortalecendo a nossa consciência da necessidade de escuta.
De que modo são as missões importantes para manter vínculos entre Portugal e a Lusofonia?
É importante, mas não pelo facto de serem lusófonos. A Sociedade Missionária Boa Nova foi criada principalmente para Moçambique e, depois, para Angola e Brasil. Só mais tarde, em 1985, fomos para a Zâmbia e, em 1998, fomos para o Japão. Durante 50 anos, estivemos ligados aos países lusófonos. Porém, antes da fundação da nossa sociedade missionária, houve muitos missionários formados naquela que é, agora, a nossa sede em Sernache do Bonjardim, para irem, principalmente, para a China, Macau e Índia. Nas nossas raízes, há uma grande ligação com o Oriente. Não querendo retirar valor à ligação com os países lusófonos, a nossa relação com os países orientais é profundíssima. A relação dos portugueses com o Japão é impressionante! Os primeiros europeus a chegar lá foram portugueses. Aconteceu o mesmo com quase todos os países da Ásia. E, depois, há o entrosamento da nossa cultura com esses países, o acolhimento das populações... viajei por diversos países da Ásia e investigava e percebi que temos presença em quase toda a parte. No Japão, estudam os portugueses na escola. Sabem perfeitamente onde está localizado Portugal e conhecem a história, porque fomos nós que lhes levámos a espingarda que, depois, contribuiu para a unificação do país. Os nossos barcos levaram Francisco Xavier e o cristianismo, estabelecemos uma relação de comércio entre a China e o Japão, que eram países inimigos. Quem fundou a primeira igreja no Tibete, em 1622, foi um jesuíta português. Seria bom que houvesse um desenvolvimento mais forte da relação que tivemos, e continuamos a ter, com alguns países asiáticos. Nos países lusófonos é muito importante essa relação, mas já não no sentido da missão como "algo que lhes vou levar". Agora, vamos para estar, para caminhar com o povo e para aprender com ele. Devemos procurar escutar o que têm a dizer e entrosar-nos na sua cultura.
E Portugal? Somos ou não um país racista? O caso do bairro da Jamaica deixou visíveis alguns sinais de discurso mais radical.
Portugal não é racista como nação. Não o pode ser, pela sua história. Teve tanto contacto com outros povos e formas de ser e de pensar que é impossível que, enquanto nação, seja racista. Mas, isso não invalida que haja pessoas racistas em Portugal. E sim, há pessoas racistas no nosso País. Sublinho, são algumas pessoas e não a nação. Enquanto nação, Portugal não tem o direito de ser racista. Vivo num bairro de Arroios [Lisboa], onde há 90 nacionalidades residentes. Não são turistas! Temos de alimentar em nós este sentido de acolhimento do diferente.
Tentar estancar as migrações com fronteiras e muros é uma solução ou a Europa precisa de rever as suas opções e optar por outras medidas?
Precisa de rever as suas opções e optar por um rumo bastante mais fraterno. Impor condições mais rígidas no cruzamento das fronteiras, evitando que essas pessoas entrem no nosso país, alicerçados no medo que isso possa gerar irá ter mais resultados negativos do que positivos. Até porque essas pessoas não querem sair das suas terras natais, mas fazem-no porque não há lá paz. Seria mais interessante e daria mais frutos investir na resolução desses problemas do que investir em muros. Não temos o direito de construir muros que separem as pessoas; que separem seres humanos. Não podemos erigir um muro e dizer: "a partir daqui não passas". Em vez de construir muros, nós próprios deveríamos ser pontes de diálogo, pois ele resolve muitos problemas! A construção de murros e barreiras só dificulta mais a comunicação entre povos. As pessoas querem ter uma vida digna e paz, nos seus países, e a comunidade internacional deveria pensar em proporcionar nesses locais a possibilidade de as pessoas terem condições, para que não tenham de sair de lá. São pessoas que estão profundamente feridas e temos de procurar um lenitivo para lhes sarar as feridas e, na origem, procurar um antídoto para curar a doença que as leva a sair.
O Papa Francisco conseguirá ter a força necessária para resolver os grandes desafios actuais da Igreja, entre eles os escândalos sexuais?
Ele vai ser mais uma pedra viva que irá ajudar o edifício a ser construído correctamente. O Papa já influenciou a Igreja e o Mundo de tal modo que não há hipótese de voltar atrás. Há coisas iniciadas que não podem voltar atrás. Fazê-lo seria terrível e um desastre. Espero que ele ainda fique muitos anos no cargo, mas é necessário que haja pessoas que continuem esta linha. Em relação, por exemplo, aos abusos sexuais, rebentou um escândalo porque se investigou, graças a Bento XVI e a Francisco. São, na sua esmagadora maioria, casos antigos e encobertos. O Papa e os seus colaboradores estão a lutar para levar essas pessoas à justiça e a Igreja está a sofrer muito com estes escândalos… ela trepida. Mas é uma trepidação saudável que irá deixar a Igreja mais limpa e saudável.
Portugal está a registar, nos últimos anos, uma tendência para a diminuição de fiéis católicos. O anúncio da organização das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), em Lisboa, poderão trazer um novo fôlego à comunidade católica?
Penso que sim. É uma oportunidade que os portugueses não podem perder. Vai ser daqui a três anos, mas há muito a fazer. Os jovens não encontram na Igreja aquilo por que anseiam. Em relação ao evento, temos de procurar mecanismos que nos levem a ser mais incisivos e a irmos mais ao encontro daquilo que são os anseios dos jovens. Querem transparência, querem exigência, querem espaço e temos, até 2022, de fazer um grande esforço para lhes dar isso. Há semanas, na homilia de encerramento das JMJ, o Papa, dirigindo-se aos jovens, disse: "reparai, não sois do futuro, sois do hoje e agora. A vida é hoje!" Isso significa que temos de dar mais responsabilidade aos jovens, hoje!
E o diálogo ecuménico e inter-religioso tem sido suficiente?
O ecuménico, em Portugal, está relativamente equilibrado, no que se refere às várias correntes cristãs. O inter-religioso não está. O processo de colocar cristãos, muçulmanos, budistas e judeus a falar entre si ainda está muito incipiente. É preciso alguém dar um primeiro passo e, muitas vezes, a pessoa começa a caminhar e, quando olha para trás, percebe que está sozinha. É um perigo que pode acontecer. Digo que é perigo porque pode acontecer que essa pessoa, não estando a ser apoiada, tenha de deixar o posto de responsabilidade que a levou a estabelecer o diálogo e não haverá a quem entregar o trabalho e a coisa morre. Este diálogo é crucial para o entendimento social entre as pessoas das diversas culturas e diferentes formas de culto. A nível mundial, com algumas excepções, o cenário é o mesmo. Na Índia está m
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