Luís Coelho
O PANfilismo
O PANfilismo e a PANfobia têm algo em comum: retratam, ambos, um estado de apreensão face a uma realidade moderna, uma peleja paradigmática que não é, bem vendo, nova, nem está longe de terminar. O surgimento e afirmação do PAN não seria possível sem que se verificasse um cisma face à modernidade industrial. Num contexto hipermoderno, marcado pelo vazio da individualidade feérica, não é estranho que existam desadaptados, sujeitos irredutíveis à sociedade de mercado. Há, aqui, um problema profundo, que é de mote psíquico. A luta contra o paradigma dominante é, somente, uma manifestação. E ela traz consigo a necessidade de espiritualização, a egofobia, a resistência face à ciência "materialista". O neurótico procura, como tal, a nova "religação" ao Espírito, à natureza, ao "Todo". Não sendo capaz de afirmar o seu "ego", pretende assim demovê-lo do cenário identitário, ignorando que isto é, per se, defesa egóica. A busca espiritual camufla uma nova, antiga, religiosidade, bem como uma pretensão de evangelização; a intenção é a remissão da culpa, e, com ela, a redenção de todos os outros, que conspurcam o tecido social. A "missão" é estendida à totalidade, porque se acredita existir um karma colectivo que se reflecte no destino de cada um. A preocupação é, mais uma vez, egóica. Subsiste uma semelhança com a esquerda pós-marxista e pós-moderna, a qual criou, em tempos, uma atmosfera de suspeição face à ciência, na sua relação com a indústria e o capital. O liberalismo científico é, assim, repreendido, optando-se por uma via "holística", que reacorda o vetusto modelo pré-científico. As práticas terapêuticas não convencionais, o modo "orientalista" de interpretação da realidade, tudo isto parece belo e puro, até porque reacende o interesse pela natureza. A Razão natural é, de facto, importancionalizada, de alguma forma, defende-se o "modus" anarquista, primevo, de viver. A ética primitiva e a colectivização utópica são traços de um certo marxismo, face ao qual a competitividade e o capital parecerão pecaminosos. Existe, portanto, uma obsessão pela "felicidade", e uma fixação com a Luz, que remete para a crença, para a fé. Os "espirituais" pretendem ser "racionais", mas ignoram que toda a sua iluminação é falsa e estende um "pathos". Pior, acabam mesmo por ser punitivos face aos "alienados". Mas não pensemos que esta é uma religiosidade à antiga, porque, aqui, também consta o artifício da individualidade. E do hedonismo. Que dizer dos retiros e das modas do "mindfulness"? Colocam a capa do "Espírito", onde subsiste, tão-só, o ego, e o prazer. Mas existe algum modo de escapar ao "ego"? Obviamente que não. Interessa, sim, dar a preferência ao princípio da Realidade, à Razão capaz de obviar o caminho de muitos. A geração "new age" quer constantemente dar o passo maior que a perna. Quer apagar a individualidade antes de esta ser redimida pelo curso da terra. E isto só alimenta a ilusão. E o placebo colectivo. Grande parte dos PANfílicos constitui esta geração da "nova era" que opõe a utopia higiénica e hipermoral ao pecado do individualismo destrutivo. Não seria demais afirmar que o partido que afiança ser "inteiro" está cheio de indivíduos psiquicamente "partidos", modernamente doentes. Muitos indivíduos problemáticos buscam a sua compensação por este caminho "naturalista". Enquanto fisioterapeuta, consigo, bastas vezes, identificar um padrão: a fibromiálgica, com uma percepção excessiva do corpo e das dores, utilizadora de suplementos e de terapias alternativas, quando não portadora de amuletos; usualmente vegetariana, quimicofóbica, leitora de livros de auto-ajuda. E, no entanto, longe de mim retirar-lhe a ilusão. Pois esta compensação vale tanto como outra qualquer. E da compensação se têm feito muitas revoluções. É certo que o alegado regresso ao "Espírito" parece fazer pouco sentido num mundo tecnológico. Mas há, todavia, muito que se pode aproveitar no modelo "new age". Nem tudo é bom na realidade excessivamente empírica. O mundo moderno desistiu da Razão, e não está pronto para aceitar que tudo o que nos envolve é, de facto, contingente, ilusório. O "Espírito" é requerido neste tempo nefasto em que já nada vale. Mas não deve, no entanto, deixar de ser servido por um rigor adequadamente científico. A ciência moderna contende as desmesuras do "Espírito", e este lembra-nos que o que mais importa somos nós, enquanto portadores de um sentido. Quando o PAN estava nos seus primórdios, com Paulo Borges como dirigente, e eu mesmo como associado, o modo de ver "búdico" estava implícito. Uma das razões pelas quais o antigo fundador foi afastado era, precisamente, a falta de sentido pragmático. Muitos militantes do partido achavam que o mesmo não teria futuro enquanto subsistissem membros a denegarem a realidade e a quererem percutir a moral "budista". Curiosamente, o PAN ganhou palco quando começou a afastar-se do seu lado mais dogmático. Mas o partido já vinha a crescer, à custa dos "desadaptados" dogmáticos. A sua capa é, ainda, a desses depressivos (pós)modernos, que defendem, no fundo, um regresso, mais do que um avanço. A sua misantropia, o seu amor pelos animais, tudo isto é, afinal, manifestação de uma desadaptação face ao humano "super-homem". Mas o que os PANfílicos defensam é o ensejo de um outro "super-homem", e isso implica sacrifício. Este é apanágio de toda a religiosidade, mas tal-qualmente da revolução. O PAN não advoga mais mudança do que os outros partidos, apenas defende uma mutação que o individualismo capitalista acabou por demonizar. O que assusta no PAN é a força de uma convicção, a determinação de um movimento que, mesmo sendo neurótico, tem uma intenção salvífica. Todas as revoluções requerem sangue. As vítimas são justificadas pela resultante utópica. A PANfobia é o sinal de uma dinâmica tenaz, que muitos PANfóbicos reconhecem ser necessária, mas, ainda assim, violenta. A violência é a marca de um dogmatismo. Um terapeuta sabe que, por vezes, é preciso causar dor para fazer sobressair o melhor potencial do sujeito. Mas, não sendo aceite tal sofrimento, surge novel fobia, renovada sublimação. Assim sendo, também os PANfóbicos exibem a marca da neurose, associada ao apego excessivo por uma "Normalidade" individualista e confortável. Os PANfílicos consideram que falta aos PANfóbicos ver o que é evidente, pelo que existe, neles, um paternalismo "terapêutico" a atentar contra o paternalismo "liberal". E, contudo, o PAN age como qualquer outro partido: pela via democrática. Causando o cisma da sociedade, que é, a bem ver, manifestação de uma patonormatividade. Quiçá possam, um dia, os modernistas transmutar a sua intrínseca neurose num partido transformador, capaz de chocar com as suas heresias anti-religiosas. Este é o processo "normal", o eterno retorno num mundo onde nunca haverá completa satisfação.
18.11.2019