Entrevista

Carlos Cortes: “Leiria é dos hospitais com mais dificuldades em toda a região centro”

6 jan 2022 14:51

O presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos aponta o dedo ao Ministério da Saúde na falta de soluções para o hospital de Leiria

Carlos Cortes
DR

Faltam médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas o Ministério da Saúde revela números elevados de contratações. Como se explica essa carência?
Não podemos ignorar que a ciência e a medicina são áreas em permanente evolução. Se estivéssemos hoje nos anos 80 podia dizer-se que tínhamos médicos desempregados, porque são muitos médicos que estão a trabalhar no SNS. A ciência evoluiu, a complexidade tecnológica, técnica e clínica também se acentuaram e as pessoas vivem mais, felizmente. Temos mais pessoas a viver mais tempo, mas também somos dos países da Europa e do Mundo com maior percentagem de pessoas com doença depois dos 65 anos e isso tem um impacto no sistema de saúde. É necessário um esforço político de reorganização de reformas muito importantes e de financiamento. É patético o reforço que o Ministério da Saúde tem anunciado nestes últimos anos. Nem para pagar as dívidas que foram acumuladas durante este ano serve o reforço de centenas de milhões de euros para o SNS, porque não acompanha a evolução que a medicina teve.

A falta de médicos tem a ver com a saída de profissionais para o privado?
Na sequência de tudo o que referi são necessários mais médicos no SNS do que alguma vez foram precisos. Há uma má organização do ponto de vista da colocação dos médicos e ela tem sido muito evidente nos últimos anos. Não percebo como é que são feitos os mapas de colocação dos profissionais de saúde. Não tenho dúvidas que a área de Leiria tem sido bastante prejudicada. Nas últimas décadas, o distrito de Leiria não foi alvo de uma reflexão profunda, precisamente para suprir essas dificuldades em termos de recursos humanos. Nos anos 80, o projecto de vida dos médicos tinha muito a ver com o SNS. Hoje, infelizmente, sobretudo pela grande dificuldade em terem condições para tratar os seus doentes ou em construir projectos de desenvolvimento nos hospitais, já não. Via-se um sistema de saúde público a edificar-se e os hospitais a crescer. Agora, passámos para uma fase de destruição do SNS. Isso tem um impacto sobre os profissionais de saúde, porque entre escolherem o SNS que continua a ser muito bom, mas que tem uma perspectiva decrescente, de desmoronamento, e escolher projectos de construção, nomeadamente no sector privado, os médicos optam pelo segundo. Neste momento, nem é o privado que paga mais. As pessoas vão, sobretudo, atrás de projectos assistenciais e de condições para poder tratar melhor os seus doentes. É reconhecer alguma dignidade e respeito pelo papel do médico, o que não se está a sentir no SNS. Isso desmotiva muito os médicos. Muitos dos médicos, assim que têm oportunidade, saem do SNS.

O Governo diz que a culpa da falta de vagas para as especialidades é da Ordem dos Médicos. Por que razão há limite de lugares?
Essas afirmações do Ministério da Saúde são erradas. É aquela mentira política para dar a volta à situação. Quem abre as vagas é o Ministério da Saúde, que faz a publicação dessas vagas no Diário da República.

Mas é a Ordem dos Médicos que identifica essas vagas.
Não. Os hospitais pedem vagas e a Ordem dos Médicos verifica a capacidade dos serviços para poderem formar especialistas com qualidade. Depois de ver quais são as condições do serviço, a Ordem dos Médicos reporta ao Ministério da Saúde explicando o que está a correr bem e menos bem, dando soluções para melhorar as condições daquele serviço. Às vezes, estamos a falar de computadores para o médico poder trabalhar, de poder haver salas de blocos operatórios para poder haver cirurgias para os internos poderem aprender. Têm de se criar condições adequadas de aprendizagem. A Ordem dos Médicos aponta quais são os serviços que considera terem esses critérios e premissas. É o Ministério da Saúde, que tendo em conta esta informação, mais a informação do Conselho Nacional de Internato Médico, publica as vagas. A vontade da Ordem dos Médicos é que se aumente com qualidade os serviços para poder haver mais formação. Houve vagas que não foram ocupadas em serviços muito importantes. O Ministério da Saúde em vez de fazer sistematicamente essa acusação deveria reflectir por que é que centenas de candidatos não quiseram escolher nenhuma especialidade. A segunda reflexão que deixaria à opinião pública é o que é que o Ministério da Saúde fez e que condições tem criado aos médicos que não têm entrado na especialidade. Desde 2015 são em média 200 a 300 médicos. São os médicos sem especialidade.

E como podem ser enquadrados?
Esses médicos são profissionais diferenciados. Podem ser colocados em áreas onde são necessários, como na área mais indiferenciada das urgências. São necessários médicos na Direcção-Geral da Saúde, no Instituto Nacional Ricardo Jorge, em várias comissões hospitalares, nas comissões de qualidade, nas comissões de controlo hospitalar. Há uma série de locais onde há falta de médicos e que são necessários para haver uma visão médica sobre aquele trabalho. Desde 2015, a Ordem dos Médicos enviou à volta de 600 relatórios ao Ministério da Saúde reportando quais são as dificuldades dos vários serviços do SNS e apontando várias soluções para poderem ter melhor e mais formação. Sabe quantas respostas recebeu? Zero.

O hospital de Leiria tem capacidade formativa?
O hospital de Leiria é um hospital com profissionais absolutamente excecionais, onde tenho sentido uma vontade muito grande dos profissionais de saúde de fazer, de criar, de crescer e de dar uma resposta de elevadíssima qualidade aos doentes que ali recorrem. É fácil de perceber porquê: o hospital tem médicos - entre outros profissionais de saúde - de elevadíssima qualidade. De muito mérito. Que se esforçam muito, que dão tudo pelos seus doentes, com péssimas condições e fundamentalmente com falta de recursos humanos e por falta de investimento de décadas no hospital. O investimento em recursos humanos no hospital não se faz de um dia para o outro. Em 2018, alertámos por várias vezes o Ministério da Saúde e o próprio conselho de administração. Dissemos: atenção, o hospital de Leiria não é o oásis que se está a tentar vender. O hospital de Leiria está com muitas dificuldades. Dificuldades essas que se não for

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