Entrevista

Entrevista | Bonga: "A pior coisa que pode haver é a gente ser assimilado à cultura do outro"

21 jun 2018 00:00

Aos 75 anos, continua a dizer-se músico de intervenção. Concerto em Leiria esta sexta-feira.

Ainda vai com a mesma alegria para o palco? 
Vou, sobretudo porque estamos a ver resultados muito positivos, não só para mim, mas para a minha malta toda de Angola, daquele país que muito precisa de algum prestígio dos seus filhos. Não pensava estar a chegar aonde estou a chegar e ainda ser solicitado como sou, em tudo o que é lugar no mundo. Tal como aconteceu com a Cesária Évora, eu também estou na França, com títulos recebidos e com muito carinho e muita fraternidade, mas, principalmente, muito business, muito espectáculo. 

Dá-lhe ânimo para continuar.
Sobretudo, se não hoje já estava a tomar conta de galinhas ali com os netos. O mais velho tem 15 anos e o mais novo tem um mês. 

Como é que as gerações mais novas recebem a música do Bonga? 
Muitíssimo bem. Mas todas as faixas etárias estão representadas nos espectáculos que dou – e isso é muitíssimo bom. E nos camarins vêm ter comigo para as fotografias, com os telemóveis. E quando a gente põe alguma coisa no Facebook, vem logo a adesão dos miúdos a quererem estar connosco, alguns com a mesma tónica musical, as mariquinhas, as frutas de vontadee os currumbas, que ficaram na boca dos pais deles e dos avós, e eles também ouvem. 

Música para todas as gerações. 
Para todas as gerações, exactamente. 

Mas a sonoridade adapta-se? 
Está a pôr uma questão muito importante, porque eu, através do carácter que tenho, digamos um pouco nacionalista, tradicional e africano, e tendo viajado para os países que viajei e conhecido as pessoas que conheci, alguns até queriam me colonizar o espírito, para mudar-me características musicais e autênticas, eu tive que resistir. 

Em que sentido? 
Da minha melodia e da minha rítmica. Queriam se servir da minha voz, voz rouca, como os James Browns e Rays Charles e companhia limitada, mas não conseguiram. Queriam uma música mais atirada para o internacional e menos a raiz africana, de que muita gente ainda tem complexos, com os quais eu tenho que lutar, com a minha coerência. Sendo eu a referência que sou, por conseguinte é preciso manter esta referência, quanto mais não seja para o bê-á-bá de muitos que se iniciam agora. 

Quando começou, a raiz tradicional, na música, era também uma bandeira política, que se levantava contra o colonialismo? 
E depois contra os meus patrícios também, porque nós tivemos a independência e não foi para a gente lutar uns com outros, não é verdade? Que foi, infelizmente, o que aconteceu, com o beneplácito de muitos europeus que foram para lá buscar massa, e dividir-nos para reinar, vendendo-nos aquilo que a gente não estava a precisar, que eram armas. E então a gente dizimou-se entre nós, o que fez com que eu continuasse, com muito mais apego, a minha canção de intervenção. 

O seu objectivo inicial era dar voz à cultura que conhecia e que o rodeava? 
Sim, sim, sim. Dos bairros pobres de Angola, da língua kimbundo, que não é um dialecto, é uma língua, e dizer aos jovens da nossa vivência, com a identidade que nós praticamos, que era finalmente uma forma de estar, continua a ser, de agir, de respirar, de dançar, de comunicar com os outros, mas preservando a nossa personalidade. 

Foi sempre um homem e um músico politizado? 
Sim, mas quem é que não era? Por tudo o que a nossa geração sofreu, tínhamos mesmo que ser. Quanto mais não fosse para recordar a vivência de um passado recente, tínhamos todos que ser conscientes da situação. 

Trouxe-lhe alguns contratempos. 
Como não podia deixar de ser. Directamente, indirectamente, com ameaças, com chantagens, com boicotes nos espectáculos, com o apagar da luz no momento em que eu ia cantar uma canção de intervenção, com recados, com dinheiros, maços de dinheiro, para que eu deixasse essa linha. Com essas labaredas todas, que não chegaram a queimar. Antes e depois do 25 de Abr

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