Quem são os inimigos da ciência?
Há muitos e no livro são indicados vários. Logo à abrir os ditadores. A ciência exige liberdade de pensamento e as sociedades livres também precisam da ciência para ter prosperidade. Para a ciência, tem razão quem apresenta provas e não quem está acima na hierarquia. Por isso, os ditadores são tradicionalmente inimigos da ciência. Nas ditaduras, muitas vezes, procura- se que a ciência esteja de acordo com uma determinada ideologia e não com a verdade, e aí estamos a prejudicar a ciência. Dois dos casos paradigmáticos do século XX e que são discutidos com algum detalhe no livro são a ditadura nazi e as relações de Hitler com a ciência. Toda a purga que fez de cientistas judeus e a ideia que tinha de uma ciência alemã, que se opunha à ciência judaica, levou-o a perder muitos cientistas para os Estados Unidos da América (EUA) nos anos da 2.ª Guerra Mundial. Alguns deles foram ajudar a construir a bomba atómica que haveria de dar a vitória aos EUA.
Há ideia de que o cientista é um 'rato' de laboratório. O projecto de stand up comedy dos Cientistas de Pé tinha como objetivo desmistificar essa imagem?
Foi um projecto que coordenei entre 2009 e 2014, onde um grupo de cientistas fazia piadas em palco. Um dos objectivos era também contrariar essa imagem negativa dos cientistas. As representações populares dos cientistas são tendencialmente más e muito persistentes ao longo dos anos. Essencialmente o cientista é um homem, de meia-idade, de bata branca, despenteado, obcecado apenas pelo trabalho, que não liga à família, que traz objectos estranhos, que tem intenções pouco claras e que quer dominar o mundo. A nossa ideia, tanto na Ciência Viva como com os Cientistas de Pé, é mostrar que os cientistas são pessoas normais com carreiras que também têm problemas. No fundo, são pessoas que se dedicam a uma actividade extraordinária que é fazer investigação científica. É pouco provável que um despenteado sozinho, numa cave, consiga fazer uma descoberta que lhe permita dominar o mundo, pois esta é uma actividade colaborativa e baseia-se na transparência e não no secretismo.
Como explica que haja pessoas que afirmam ter resultados com a homeopatia ou acupuntura?
Não duvido que as pessoas falem verdade. Do ponto de vista da ciência, para atribuirmos uma causa a uma cura temos de excluir todas as outras causas possíveis. Por exemplo, se estiver com gripe e todos os dias de manhã virar uma chávena de café ao contrário em cima da cabeça, ao fim do quinto dia provavelmente estou curado. A verdade é que a gripe passa sozinha. Temos desenvolvido uma série de formas de avaliar a eficácia e a segurança de um tratamento, através dos ensaios clínicos, e utilizamos métodos estatísticos. Por exemplo, um doente que tem uma doença horrível, que, por acaso, apanhou um choque eléctrico e fica curado. Pode-se concluir que choques eléctricos curam esta doença? Não. É uma indicação que tem de ser investigada. A partir daí podem fazer-se ensaios clínicos. A acupuntura tem um efeito fisiológico e pode ter um efeito residual eventual no tratamento da dor, mas não consegue através de ensaios clínicos provar a sua eficácia e segurança para nenhuma condição clínica. A homeopatia são apenas placebos. Os remédios homeopáticos são preparados através de um grande número de diluições, que no final não sobra nada a não ser a água onde as diluições são feitas e o açúcar para onde essa água é vertida para fazer os comprimidos. Os ensaios clínicos mostram que os remédios homeopáticos são placebos.
Concorda com a canábis para usos medicinais?
A canábis tem várias substâncias canabinoides, que têm efeitos fisiológicos sérios. Há muito exagero acerca da canábis, que é hoje apresentada em muitos meios como uma panaceia para curar todas as doenças, desde o autismo ao cancro. Obviamente tudo isso é desonesto. Os endocanabinoides estão envolvidos em processos fisiológicos importantes no nosso organismo, em processos como o apetite e a dor. Portanto, é plausível que pos
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