Entrevista

Entrevista | Patrícia António: “ser jovem é dar problemas aos pais, isso é normal”

21 fev 2019 00:00

Psicóloga clínica defende que não se devem diabolizar os jovens nem as substâncias que consomem, mas orientar e acompanhá-los

Os jovens de hoje não largam as tecnologias. O que há de bom e mau?
O que há de bom é que são formas de contacto, que permitem iniciar relações, conhecer pessoas, ter acesso a uma informação cada vez mais democrática, fazer pesquisas. Às vezes diabolizamos os nossos jovens, mas são pessoas interessadas. Com as redes sociais surgem outras formas de comunicação, os intercâmbios com o mundo, o podermos conhecer diferentes culturas e até manter ligação à família que está distante. Para os jovens que tenham características de isolamento e timidez, podem arriscar a relação e isso é um factor positivo de desenvolvimento que permite criar segurança. O risco está no excesso, quando é usado para o afastamento, quando toda a família está ligada a um tablet em pequenas ilhas e já não conversa. No fundo é usar na medida certa e existir supervisão parental. É importante supervisionar o que se está a ver. O risco espreita quando se faz a exploração sem se estar minimamente acompanhado. As novas tecnologias também estão associadas ao lúdico, ao prazer, à descoberta e cabe ao adulto temperar esse uso, até porque as tecnologias usam mecanismos de ligação apelativos que imprimem um ritmo muito compulsivo e facilitam a dependência.

O relatório do SICAD refere que há mais jovens que admitem comportamentos de risco conduzidos por consumos de álcool. Também um estudo da Universidade do Porto referia que cerca de 85% dos jovens portugueses já beberam álcool, 58% já fumaram e 17% já consumiram drogas pelo menos uma vez. Estes problemas estão em crescimento ou há mais dados? 
Há mais dados e há mais preocupação científica e mediática. As substâncias mais consumidas entre os jovens são o álcool e o haxixe (THC). Isto é preocupante porque são substâncias que precisam de maturidade, quer física, quer psicológica e social, para lidar com elas porque são bastante complexas e neurotóxicas para o organismo. O álcool é claramente uma preocupação porque é ainda muito desvalorizado. Os pais destes jovens dizem: 'eu também bebi e não me aconteceu nada'. Claro que a adolescência envolve experimentarmos os riscos, os prazeres, saber vivê-los e sair bem deles, mas está a mudar o padrão de consumo, o chamado binge drinking. O beber compulsivo de quatro ou cinco bebidas num minuto é claramente uma experiência muito diferente da dos pais destes jovens. Ninguém bebia seis cervejas num minuto. Beber seisshots num minuto tem um risco de intoxicação imediata.

O álcool parece estar cada vez mais presente na adolescência. Há movivos para alarme?
Em termos legais, é proibido beber até aos 18 anos, uma medida importante para ajudar a moderar o consumo. Até deveria haver medidas mais fortes, porque a saúde não consegue concorrer com o marketing, com a indústria e com o património cultural que o país tem associado às bebidas. Mas o motivo de preocupação surge, sobretudo, quando a relação com o álcool ou com outras substâncias se torna compulsiva, exclusiva, sem deixar espaço para o prazer de estar com os amigos e para o divertimento. Quando o objectivo é a embriaguez rápida e imediata, não estamos numa relação saudável. O saudável é saborear, tirar prazer. Os pais devem estar atentos. Se o jovem sai, devem perguntar como foi a noite e se bebeu, o que bebeu. É importante alertar para as bebidas espirituosas ou brancas, que têm o dobro de álcool. Não sendo apologistas do consumo, é importante que os pais criem factores de protecção para que a iniciação seja de forma prazerosa, em rede e pouco arriscada. Se esta primeira experiência é demasiado compulsiva e anestesiante, se o jovem entra em coma alcoólico, é grave. Quer dizer que é um jovem que parece não estar habituado a lidar com as emoções nem a proteger-se. Se a experiência for feita mediada pelo prazer, pela relação com os outros e com a família, com quem se fala disso e é uma situação que não se repete nos próximos tempos, não há que diabolizar. Precisamos de correr riscos para crescermos. O sinal de alerta é quando começa a ser uma relação continuada, há aumento da tolerância e o jovem começa a perder o controlo e a capacidade de se proteger. Uma coisa é beber de vez em quando e à terceira cerveja já fico um “bocadinho tocada” e o meu cérebro diz "já chega". Outro problema importante é que o consumo entre as mulheres está a aumentar. Temos uma fragilidade maior, a nossa neurobiologia não é tão compatível com o etanol como no masculino. Para degradar a molécula é preciso muito água e nós temos menos do que os homens, logo corremos muito mais riscos.

Há jovens que colocam tampões embebidos em álcool para ficarem alcoolizadas mais rapidamente. Porquê?
É a procura de uma anestesia rápida e imediata. Não é uma relação de prazer nem de convívio, é um desespero. Há jovens que conseguem perceber o risco e outros estão completamente às cegas. É cair no abismo puro e duro. São novas práticas de consumo, muitas vezes até veiculadas pelas redes sociais.

Tal como o álcool, fumar um charro é socialmente aceite. Deve avançar-se para a despenalização do consumo?
Tenho dificuldade em responder sim ou não. O que nos chega a tratamento são relações já muito complicadas com as substâncias, em que o risco mental é grande. É preciso perceber quem é o jovem que vai iniciar essa relação. É um jovem saudável? Há antecedentes familiares? Sabemos que a doença aditiva também tem um factor genético importante. O haxixe é outra das substâncias principais entre os nossos jovens. Alguns destes jovens são filhos de pais que também já tiveram essa experiência e pode haver um bocadinho essa desvalorização do 'não aconteceu nada comigo', mas hoje em dia as substâncias tendem a estar mais adulteradas. Essa é a grande diferença para o álcool. Conhecendo o grau de alcoolemia, há um controlo e uma segurança naquilo que vou consumir. No haxixe não sabemos. Quando há políticas para a descriminalização é também no sentido de assegurar que a pessoa sabe o que está a consumir. Por isso, quando se fala na legalização este também é um factor a ter em conta. Não é diabolizar, mas se há antecedentes familiares, se tem doença mental, se é um jovem ansioso ou com tendências depressivas corre maior risco, porque a substância vai alterar subjectivamente o estado emocional. Há pessoas que nem gostavam, mas dizem que precisavam de anestesiar a dor mental. Mas o risco da dependência existe. Qualquer um de nós, saudável, bem na vida, sem nenhum registo depressivo, se começar a beber todos os dias, silenciosamente, fica dependente e isto tem só a ver com a neurobiologia da adição.

Qual a consequência da superprotecção dos pais?
Uma delas é não haver a possibilidade de errar e experimentar. Um jovem recentemente dizia-me: 'fui um bibelot, protegido numa redoma e agora não sei lidar com as emoções nem com as adversidades, porque alguém fez sempre isso por mim'. Há que dar espaço aos filhos para falhar, porque promove aprendizagem. A superprotecção traz inabilidade. É importante que o jovem sinta que tem um lugar seguro e que os pais estão disponíveis para o que for. Agora, a superprotecção é a impossibilidade de experimentar-se, logo, muitas vezes, quando saem de casa o comportamento acontece no registo compulsivo. A primeira experiência com o álcool é o coma, não que ele quisesse isso, mas porque não tem a mínima noção de como é lidar com aquela substância porque não tem treino, nem observou, nem aprendeu.

Pai é pai ou é amigo?
Essa é uma questão muito importante: pai é pai, n&atild

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