Entrevista

Isolda Rosário, directora-geral da Rosários 4: “Seja homem ou mulher, um líder é um sonhador com compromisso!”

4 dez 2023 13:00

A empresária explica como a sua empresa alcançou a distinção de ser uma das 50 melhores para trabalhar em Portugal, salienta o impacto da crise e da concorrência asiática e a dificuldade em subir salários e criar emprego dada a carga fiscal

Isolda Rosário, directora-geral da Rosários 4
Fotografia: Rui Miguel Pedrosa
Jacinto Silva Duro

Quais foram os factores que levaram a que a Rosários 4 fosse considerada como uma das 50 melhores empresas nacionais para trabalhar?

Para a distinção recebida pela Revista Exame, em parceria com a ManpowerGroup e a AESE, foi necessário dar resposta a diversas questões no âmbito dos nossos procedimentos de cariz ambiental, social e recursos humanos. Além da análise de procedimentos, toda a equipa teve de responder a um inquérito anónimo, com cerca de 80 perguntas. Esta conquista é um reconhecimento do trabalho desenvolvido ao longo dos quase 45 anos de história. Encontrar a satisfação dos nossos profissionais é um objectivo primordial. Por esta razão, esforçamo-nos para oferecer o melhor ambiente de trabalho para que os colaboradores possam desenvolver o seu talento. Prestamos o nosso apoio de forma transversal com formação, recursos tecnológicos, apoio documental e burocrático, comunicação interna, políticas de recursos humanos, com benefícios sociais, programa de tutorias e avaliações, serviço médico, entre outros. Somos conscientes de que a qualidade dos nossos produtos e serviços transparece através da qualidade, esforço e dedicação de toda a equipa, sendo através dos nossos colaboradores que conseguimos ser factor diferenciador no mercado. As nossas iniciativas de formação técnica, de desenvolvimento e reconhecimento profissional que temos tido para as nossas pessoas, bem como a relação próxima que com elas mantemos e que estas valorizam, são factores que permitem fomentar o espírito de equipa, a comunicação interna e a empatia pelo próximo. Mantemos uma cultura corporativa que considera a igualdade de oportunidades, sem nenhum tipo de discriminação, como um dos nossos princípios básicos. Conscientes da importância de conciliar a carreira profissional com as necessidades pessoais, estabelecemos medidas para que todos os profissionais tenham uma carreira profissional plena e, assim, evitar que a conciliação da vida familiar e do trabalho seja um obstáculo, tanto no acesso das mulheres a um posto de trabalho como para sua posterior promoção profissional. Mantemos uma cultura de proximidade, respeito, transparência e reconhecimento para com os nossos colaboradores.

De que forma o fazem?

Contamos com um programa de acolhimento, destinado a todos os funcionários, com o objectivo de ouvir e orientar cada colaborador, identificando assim as suas preocupações pessoais ou profissionais, permitindo assim actuar atempadamente para que as necessidades entre ambas as partes estejam alinhadas. Valorizamos a promoção interna, sendo para isso essencial um processo de avaliação, baseado no reconhecimento do mérito de cada pessoa ao desempenhar as suas responsabilidades profissionais, permitindo identificar as capacidades profissionais e as possíveis áreas de melhoria de cada colaborador. A avaliação é uma excelente oportunidade para melhorar e trocar comentários e pontos de vista, entre avaliado e avaliador, e dar a orientação correcta para o trabalho a ser executado, mas também para uma potencial progressão e promoção interna. A consciência da necessidade de assumir uma postura responsável e inovadora perante o ambiente reflete-se no posicionamento e procedimentos adoptados pela Rosários 4. Utilizar recursos de forma ordenada, investir para reduzir a pegada ecológica - um exemplo disto foi a instalação de painéis solares - e promover uma consciência ambiental cada vez mais forte entre colaboradores são alguns dos nossos princípios. Independentemente do tamanho da empresa, o respeito pelo outro, pode e deve ser considerado em qualquer ambiente pessoal e profissional. Acredito que o crescimento do negócio da Rosários 4 depende das emoções e das vivências que cada um traz para dentro das instalações e isso não é possível com máquinas e tecnologia de ponta. São as pessoas que podem e conseguem fazer a diferença. Pretendemos ser referência na produção de fios de fibras naturais e de carácter sustentável, para tricot e outras manualidades, a nível nacional e internacional, sendo para tal necessário reforçar a nossa acção como empresa inclusiva, sustentável, inovadora, ecológica, responsável, próxima e de confiança.

Concorda com noção de que uma empresa é, acima de tudo, um grupo de pessoas com projectos?

Inteiramente. As empresas até podem ter a mais recente tecnologia, mas sem as pessoas motivadas e dedicadas a um projecto comum, o resultado não será de excelência. Não basta ser um grupo de pessoas com projectos, pois cada um pode caminhar numa direcção diferente. Na verdade, o imprescindível é que o caminho seja feito por todos, na mesma direcção. Acima de tudo, uma empresa é uma equipa que comunga dos mesmos valores e princípios. Só assim será possível atingir os objectivos do negócio. Nos tempos de hoje, quando a Inteligência Artificial é o tema do dia que tem vindo a espoletar a incerteza quanto à continuidade de algumas profissões, a diferença e aquilo que trará um acréscimo de valor às organizações, aos produtos e aos serviços, serão as pessoas e as suas vivências.

Quais são os desafios de uma empresa como a Rosários 4?

Quais são os desafios de uma empresa como a Rosários 4? Há vários desafios, uns externos à organização e outros internos. A situação política mundial, a crescente inflação e as taxas de juro elevadas, não ajudam a que haja um crescimento económico, nem estabilidade financeira, e isso repercute-se internamente no País, pois as pessoas deixam de acreditar, sentem-se inseguras e gastam os seus recursos nos bens de primeira necessidade, como habitação e alimentação, procurando produtos de qualidade reduzida e de preços inferiores ao Made in Portugal, dificultando o desenvolvimento normal da economia. A concorrência vinda dos países asiáticos continua a ser um grande desafio em termos de preço. Para superar esta dificuldade, continuamos a trabalhar o mercado externo. Levamos a marca Rosários 4 a cerca de 40 países distribuídos pelos cinco continentes - só ainda não estamos na Antárctida, pelo menos que tenhamos conhecimento. Temos a perspectiva e ambição de atingirmos em 2023 um Índice de Exportação de 40%. A nossa posição e dimensão geográfica não são facilitadoras, estamos na ponta da Europa, não temos um porto competitivo e os custos de transporte são, muitas vezes, impeditivos de concretização de negócios. Os custos energéticos, entre os mais altos da Europa, e o peso da carga fiscal são avassaladores. Se estes diminuíssem ajudaria o investimento das empresas e o poder de compra das pessoas, sentindo-se estas mais seguras e valorizadas e a diferença poderia entrar na economia. As empresas têm muita dificuldade em aumentar salários, pois uma grande parte é absorvida pelos impostos. Sem apoio, perdem competitividade e atracção de pessoas, o que justifica, em parte, a emigração de jovens. Em consequência, as profissões de trabalho não especializado estão a ficar extintas e torna-se difícil a contratação de operacionais jovens para o nosso sector industrial. Apesar de a maquinaria existente na Rosários 4 e de o investimento em Indústria 4.0, muitos dos processos continuam a ser manuais, sendo imprescindível a pessoa ao invés da Inteligência Artificial. Felizmente e, apesar da localização da Rosários 4, a rotatividade dos recursos humanos é mínima e temos conseguido reter as pessoas na nossa equipa.

E a sustentabilidade?

É outro grande desafio, transversal a todas as empresas, particularmente à nossa onde os clientes são cada vez mais sensíveis e exigentes com os produtos que consomem e o seu impacto no planeta. O consumidor quer conhecer a origem das fibras que utilizamos na produção dos fios, os produtos que são utilizados no processo de tingimento, etc. Mas é importante ter em conta que as matérias-primas naturais não são uma fonte inesgotável e que o seu processamento será cada vez mais escrutinado. E esse escrutínio tem de começar logo na escolha criteriosa de fornecedores, de matérias e de processos. É essencial, no desenvolvimento de um produto, ter em conta o impacto que ele pode ter. Dizer, por exemplo, que é orgânico já não é suficiente - é essencial ser certificado. É uma garantia - e a nossa certificação GOTS, Global Organic Textile Standard, assegura aos nossos clientes o estatuto orgânico dos nossos produtos e a nossa preocupação em cuidar do ambiente.

Na descrição da vossa missão, é referido que a Rosários 4 é uma empresa tradicional onde se aprecia criar e inovar. Como acontece esta inovação e ligação com o consumidor? Com oficinas de malha e croché e desafios no Youtube orientados por designers?

A Rosários 4 tem feito um percurso que, além de inovador, nos orgulha muito. Durante algum tempo fazíamos essa inovação com um grupo restrito aqui dentro. Mas, nesta nova imagem da empresa, há um antes e um depois. E o depois deve-se muito à Liliana Carvalho, que lhe tem dado uma imagem completamente diferente, muito mais moderna, muito mais activa. Muito dessa imagem deve-se ao seu trabalho. Quando é necessário desenvolver fios internamente, temos uma equipa multidisciplinar. Ouvimos clientes, ouvimos fornecedores, ouvimos a equipa interna, ouvimos as várias designers que trabalham connosco. É um grupo muito grande onde toda a gente opina. Depois há um grupo mais restrito que decide o formato do novelo, o que preferem ver no mercado, o que preferem trabalhar. O factor humano é fundamental e também serve para nos diferenciar da concorrência.

Liliana Carvalho, Isolda Rosário e Hélia Carreira
Liliana Carvalho, Isolda Rosário e Hélia Carreira

 

Quais são os principais mercados da empresa e qual é o impacto da manutenção da empresa em Mira de Aire no modelo de negócio e na comunidade?

A Rosários 4 tem uma história de quase 45 anos, tendo sido, durante muitos anos o mercado nacional, o único onde actuou. O panorama alterou por volta do ano 2000, onde começámos a dar os primeiros passos no mercado internacional. Tem sido um caminho com algumas dificuldades e onde o retorno do investido não foi tão imediato quanto o expectável. A verdade é que sentimos uma grande abertura aos nossos produtos por parte do mercado internacional. A nossa aposta no desenvolvimento de produtos sustentáveis de qualidade tem sido factor de abertura de portas ao mundo. A Europa continua a ser o nosso principal mercado internacional, mas não descuramos o mercado nacional, continuando este a ser o principal receptor de produtos Rosários 4, sendo que pretendemos, como já referi, atingir ainda em 2023 um Índice de Exportação (IE) de 40%. Relativamente à localização da fábrica, é importante para Mira de Aire a presença da empresa por vários motivos; lembremo-nos que a vila é uma localidade com grande tradição na indústria de lanifícios e que já foi lar de grandes empresas deste sector. A própria Rosários 4 em meados dos anos 80 contava na sua equipa com mais de 100 funcionários, vindos de norte a sul do País. Actualmente, somos cerca de 50 pessoas, maioritariamente residentes na zona de Mira de Aire. A manutenção da Rosários 4, no limite do distrito, mostra que, em qualquer lugar pode haver inovação e diferenciação empresarial; quantas mais empresas operarem aqui, mais fácil será trazer recursos para as empresas e mostrar que as pessoas também podem fazer o seu percurso profissional fora dos grandes centros. Para a Rosários 4, têm sido anos e anos de resiliência, de união e de confiança no que ainda poderá ser feito! Apesar de os nossos produtos não serem de primeira necessidade, as actividades manuais não ficaram perdidas na história e há uma maior aposta por parte das escolas e educação na divulgação das técnicas de crochet e tricot, e uma crescente procura do público, incluindo de faixas etárias mais jovens, que encontram nestas manualidades, formas criativas de se expressar, seja na criação de peças de vestir, de decoração ou artísticas. Continuamos, no entanto, a sentir que é necessário captar ainda mais a atenção dos jovens para estas actividades, através da divulgação dos benefícios que podem trazer para a saúde e bem-estar pessoais. Para muitos, são formas de terapia. Tricotar uma peça é como fosse um processo de meditação - e, no final, desse processo, ainda se ganha uma peça nova para vestir! Além do que já referi, e num olhar mais atento e sustentável, pode ver-se que, além de se poder produzir peças de vestuário únicas para toda família e amigos, é possível, também, reutilizar peças que já não estejam a ser usadas, sendo uma forma de lhes dar uma nova vida.

Na região, desde há alguns anos, que, aparentemente, há menos mulheres a liderar estruturas empresariais e em cargos de decisão. O que se está a passar?

É necessário que lhes sejam dadas oportunidades reais para isso. Muito caminho já foi percorrido e, felizmente, muito já se conseguiu alcançar. Contudo, apesar de muitas vezes camufladas, as desigualdades continuam a existir nas diferenças salariais, na igualdade de oportunidade, na progressão na carreira, castrada em resultado da maternidade. Apesar de alguma evolução, as tarefas do âmbito doméstico e familiar continuam com maior carga assente nas mulheres. É importante reforçar, na educação dos nossos jovens, que homens e mulheres têm os mesmos direitos e deveres. É imperativo que as políticas de igualdade de género sejam obrigatórias em todas as empresas, independentemente da sua dimensão, bem como a sua colocação em prática. Em Mira de Aire há várias empresas onde as mulheres fazem parte da liderança. A verdade é que entre uma mulher e um homem aptos para assumir um cargo, ainda é socialmente aceitável dar a oportunidade ao homem. A mulher acata mais facilmente não ter o papel principal, mesmo que, na prática, o seu papel seja relevante. Esta situação é comum no tecido empresarial português, maioritariamente constituído por PME, muitas delas familiares. Na indústria têxtil, particularmente, a mulher já tem um lugar importante na liderança. As mulheres precisam de reais oportunidades e a Rosários 4 é um exemplo disso. Elas estão em maioria e têm ajudado a empresa com a sua sensibilidade e empenho a crescer e a desenvolver-se. As mulheres são, em génese, que me perdoem as pessoas que podem não concordar, mais empáticas, e os homens são mais pragmáticos e isso, particularmente na nossa área de negócio, faz a diferença. De acordo com a Harvard Business Review, as mulheres que trabalham em cargos de chefia têm pontuações mais altas do que os homens em 12 das 16 principais qualidades de liderança. Um líder tem de envolver, desenvolver e desafiar a sua equipa, seja homem ou mulher, no fundo, um líder é um sonhador com compromisso!
Isolda Rosário
As mulheres com ambição são mal vistas?

No dicionário ambição é “o grande desejo de realizar ou atingir algo” e isso é legítimo para qualquer dos dois géneros; contudo a sociedade é muito mais exigente com as mulheres, quer em termos comportamentais, quer em termos estéticos, profissionais ou familiares. A mulher vive num ambiente onde tem de corresponder mais às expectativas impostas pelo ambiente que a rodeia, do que propriamente ao que deseja ser como ser humano. Estas fragilidades levam a que muitas tenham falta de confiança e que prefiram ficar à margem da tomada de decisões, em vez de assumir uma posição de liderança. Actualmente, a nova geração vem com outra visão. A nova era de mulheres vem com uma nova bagagem, de luta, de afirmação, de “eu consigo”. Felizmente, vivemos tempos de mudança e acredito que começará a haver mais cadeiras disponíveis nos cargos de liderança, para este ser humano forte, com garra e sensibilidade pelo próximo: a Mulher. Resta lembrar que ainda há países onde as mulheres nem direito têm à opinião, e é por essas, em particular, que o Dia da Mulher tem de continuar a ser assinalado, para lembrar que independente do género, os direitos e as oportunidades devem ser iguais.

Alguns pensamentos finais em forma de alerta?

A situação política e económica na Europa está cada dia mais fragilizada. A liderança escasseia e não há uma figura mobilizadora, com carisma. Temo que, em pouco tempo, se não forem tomadas decisões corajosas, se não for encontrado um rumo, se deixe para as gerações futuras uma situação de incerteza e fragilidade, que a minha nem seria capaz de imaginar, quando iniciámos o nosso percurso profissional. Tem de haver muito rigor, integridade e transparência nas decisões políticas, pois as pessoas têm de acreditar nos decisores políticos e na justiça, para que todos juntos, todos mobilizados, possamos trabalhar com igualdade de oportunidades e para o bem-comum. A carga fiscal em Portugal é desanimadora. Compreendo que o salário mínimo é claramente insuficiente para o custo de vida actual, mas lembremo-nos que o custo para a empresa é muito mais alto, isto sem falar no IRS que, também sendo inferior, poderia ser investido na formação extracurricular dos jovens - resultaria uma geração transversalmente mais bem preparada -, na melhoria da eficiência energética - um planeta mais sustentável - ou preparar uma velhice mais tranquila, entre outros exemplos.

Perfil

Voltar do Brasil para Mira de Aire

Nascida e criada em Mira de Aire, no concelho de Porto de Mós, Isolda Rosário fez os estudos em Torres Novas, antes de seguir para a Universidade Federal da Bahia, no Brasil, onde estudou Engenharia Química.

Foi uma escolha motivada pela existência de família naquele país.

Frequentou o mestrado em tratamento de efluentes na indústria têxtil e escreveu uma dissertação sobre o assunto, que lhe valeu a pós-graduação no tema.

“Fiz ainda algumas pós-graduações em gestão empresarial”, conta.

A passagem do mundo académico para o empresarial foi algo que Isolda Rosário recorda ter sido “muito natural”.

“A engenharia química está muito relacionada com a nossa indústria, isto é, a indústria química.

Afinal, a empresa chama-se Tinturaria Rosários 4, porque o meu pai era tintureiro de profissão.Talvez ele me tenha influenciado para a química.”

Após o término da licenciatura, o pai visitou-a no Brasil e convenceu-a a regressar para a empresa que acaba de ser considerada uma das 50 melhores para trabalhar em Portugal.