Sociedade

Jorge Duarte: “Pombal só teria a ganhar com um pólo de ensino superior”

31 ago 2018 00:00

Entrevista | Proprietário e gerente da discoteca Kiay, de Pombal, que abriu portas há 36 anos, fala do percurso do sector e dos desafios de desenvolvimento territorial e regional que se colocam a Pombal e a Leiria, a médio prazo

Jacinto Silva Duro

O dia ainda é na praia e a noite na Kiay, como diz o vosso lema?
Foi criado pela minha mulher, a Lara, em 1991, e colou. Ela foi uma das pessoas que me ajudou a dinamizar a Kiay e, ainda hoje, é quem faz toda a parte promocional e relações públicas. A ideia por detrás do lema prende-se com a ideia de que, durante o dia, as pessoas vão para a praia, mas, à noite, quando voltam para a casa, vão divertir-se à Kiay. É um mote dirigido, essencialmente, à emigração, que é constituída por pessoas com raízes no interior e não nas localidades junto à praia. Em Agosto, cerca de 90% dos nossos frequentadores são emigrantes que passam o Verão em casa de familiares.

A Kiay é uma espécie de paragem obrigatória para os emigrantes? O Verão não é Verão se não se passar pela praia e pela Kiay?
A Kiay é uma tradição. As pessoas de cá, porque trabalham, só aparecem aos fins-de-semana, especialmente ao sábado à noite, mas os emigrantes, a quem sempre acarinhámos e que se habituaram a espectáculos e a DJ a animá-los, vêm a semana inteira. Se passarmos a música que eles querem, afastamos o público nacional, que não gosta de música francesa. Porém, começa a haver uma boa mistura entre os dois públicos, porque conseguimos agradar a ambos e até temos pistas diferentes, mas durante muito tempo era preciso escolher entre uns e outros. Quando chegava Agosto, era preciso "fazer uma lavagem aos DJ" e explicar-lhes que tinham de mudar o género de música. O que acontecia, há 30 anos, era os "portugueses" irem todos para a Riomar e a Locopinha e os "franceses" vinham todos aqui. Mas, de lá para cá, criámos uma empatimuito grande com os emigrantes e, hoje, até já são os filhos que vêm à Kiay, perpetuando a tradição. Sabem que são bem acolhidos, que colocamos música para eles... e são pessoas que dão valor a isso. Ao contrário dos "portugueses" que não dão valor ao requinte e cuidado que temos na decoração, no modo como servimos ou ao cartaz. Se colocarmos um artista caro aqui a animar, os "portugueses" torcem o nariz porque não querem pagar mais para o ver. Depois, vão para o Algarve e pagam o triplo, mas já não se importam.

A Kiay é a sobrevivente das grandes discotecas dos anos 90. Como se consegue tal longevidade?
Do nosso tempo – abrimos em Outubro de 1982 - havia a Riomar, na Praia da Vieira, e a Sunset, de Alcobaça. Acredito que conseguimos manter-nos como um local de eleição devido ao trabalho incansável e ao facto de a gerência estar muito envolvida em todos os aspectos do negócio. Penso que se passa o mesmo nas grandes empresas. Temos orgulho do nosso trabalho e temos também muito cuidado com os artistas que contratamos. Isto é como uma ementa de um restaurante; se não se dinamiza a cozinha e não se inova, as pessoas vão cansar-se e procurar novas experiências. Além disso, temos muito orgulho na nossa equipa. São 40 pessoas escolhidas a dedo. Elas são a alma da casa.

O público mudou muito desde os anos 80?
Noto que tínhamos uma maneira de nos divertimos, e de estar na discoteca, e o público actual tem outra. É algo que muda a cada dez ou 15 anos! Quem vier cá numa das nossas festas K80, onde recordamos os anos 80, vai poder ver uma coisa muito interessante: as pessoas dançam viradas umas para as outras, falam entre si, cantam e dançam, em grupinhos! Em contraste, o público actual dança virado para a cabine, com a mão ou com o telemóvel no ar, à espera que aconteça algo. Socializam na mesma, mas a pista de dança tem um aspecto completamente diferente. Penso que nos anos 80 havia uma maior convivência de grupo e, hoje, nota-se um certo individualismo. Provavelmente, não tem nada de mal... A música também mudou, mas tem ciclos. Vai e volta. Neste momento, nota-se o regresso de alguns estilos do "antigamente". A rave matou as pistas de dança, mas, felizmente, a música voltou a ser mais alegre.

Falando de Pombal, continua a ser um concelho "charneira", preso entre o litoral e o interior, como dizia Narciso Mota?
Vivemos mesmo na fronteira entre Leiria e Pombal. Leiria será sempre "a cidade" e vai sê-lo cada vez mais. É o centro para onde tudo e todos convergem. A única coisa, a meu ver, que pode realmente desenvolver uma cidade como Pombal, é a existência de uma escola superior ou universidade. Traz muitas ideias novas e mais população jovem a qualquer cidade. Não sei se teria capacidade de acolher ensino superior, mas era algo que contribuiria para o seu desenvolvimento. Fica numa zona central, com bons acessos, entre Lisboa, Porto e Coimbra, e tem muito potencial turístico, mas não tem bons acessos, por exemplo às praias. Além disso, falta-lhe mais uma saída da A1.

Onde?
Na fronteira entre as Meirinhas (Pombal) e o Barracão (Leiria), claro! Para usar os actuais acessos é preciso percorrer vários quilómetros. Quem habita a norte de Leiria e a sul de Pombal tem de andar para trás e para a frente. Nem os acessos directos de Leiria à praia são bons. Não se pode promover turisticamente algo, quando é preciso andar às curvinhas até lá chegar. As zonas litorais de Leiria e Pombal estão mal servidas a nível de acessos. E, claro, há muito património e muitas atracções culturais, mas falta na região uma grande atracção. Algo que chamasse, efectivamente, muitas pessoas. Costumo brincar com esta ideia, e dizer que falta um parque de diversões. Quero dizer, falta algo que traga outros públicos à região. Não pode ser só pela história ou pelos castelos e igrejas, por mais belos que sejam. Mas, acima de tudo, e tenho de voltar a frisar isto: Pombal só teria a ganhar com um pólo de ensino superior. Por que não um pólo do Instituto Politécnico de Leiria? Leiria e Caldas da Rainha têm beneficiado muito da existência de escolas superiores.

Qual é a sua opinião acerca de uma abertura da Base Aérea de Monte Real ao tráfego civil?
Não há dúvida alguma que iria dinamizar a região. Se houver a possibilidade de haver um aeroporto civil, esta é a melhor zona para o colocar. Sei que não os podemos ter em todo o lado e há o exemplo negativo da antiga Base Aérea de Beja, praticamente sem rentabilidade. Um aeroporto iria impelir muitas outras melhorias em termos de infra-estruturas na região. Há muitas questões envolvidas e é preciso pesar bem cada uma delas. Sim, temos Fátima e Coimbra, que são pólos de atracção turística, mas estamos a cerca de duas horas de dois grandes aeroportos. E será que um turista não preferirá ir primeiro para Lisboa e Porto e só depois  

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