Sociedade

Manuel Miguéns: “A educação em Portugal não pode passar ao lado da revolução digital”

5 set 2019 00:00

Entrevista | O secretário-geral do Conselho Nacional de Educação (CNE) considera que educar é um acto relacional, pelo que os computadores nunca substituirão os professores

A escola que somos hoje é o tema do Fórum Educação de Leiria, onde irá intervir. E que escola somos hoje? 
Portugal conseguiu, nas últimas décadas, melhorar muito o quadro na educação, com avanços muito significativos. Basta ver a evolução dos desempenhos nos programas internacionais. Quando olhamos para as estatísticas, seja do abandono ou da retenção, onde habitualmente temos níveis elevados, temos melhorado. Costumo dizer que em Portugal há uma situação de 'sim, mas' e traduz-se da seguinte forma: mais cidadãos a concluir o ensino secundário, mais pessoas com o ensino superior, menos pessoas a abandonar e maior inclusão. Mas... quando nos vamos comparar com os países com os quais nos gostamos de comparar surge um mas. Os outros países não estão parados e também evoluíram. Portanto, ainda temos de fazer esforços significativos para ter os jovens mais tempo a estudar, com mais qualificação para a população e melhores desempenhos.

Deve haver ou não retenção?
O CNE tem dado atenção à retenção há muitos anos. A retenção é a solução mais cara e a menos eficaz. Então por que é que ainda a usamos bastante? Isto é polémico porque muitas vezes se fazem interpretações erradas, como dizer que vão passar todos, mesmo sem saberem. O ponto não é esse. É encontrar soluções para que eles possam melhorar e ultrapassar as suas dificuldades para poderem passar. Os famosos chumbos como forma de fazer com que as crianças aprendam, acabam por se acumular no tempo até que o aluno abandona a escola, mas tem havido uma evolução nas escolas no sentido de encontrar formas de ajudar as crianças com maiores dificuldades a aprenderem, como forma de evitar a sua retenção. Quando falamos das dificuldades de aprendizagem era importante que a formação dos professores, quer a inicial quer a contínua, desse uma atenção particular ao trabalho com esses alunos e ao trabalho sobre a avaliação formativa e a capacidade de utilizar a avaliação para ensinar. Não podemos centrar-nos apenas nos miúdos com dificuldades de aprendizagem. Até parece que não queremos saber dos que são muito bons. Acredito que os jovens que são muito bons é que poderão ser líderes e estarão em lugares chave no País. Portanto, não podemos desperdiçar talento. A escola também tem de encontrar formas de ajudar a progredir e a evoluir os que são muito bons e dar-lhes oportunidades de desenvolverem o seu potencial o mais possível.

Que soluções se devem aplicar?
É neste aspecto que melhor se aplica a ideia de que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Esta tentativa de evitar a retenção e de melhorar o desempenho das crianças com dificuldades de aprendizagem exige um trabalho integrado, que envolve várias entidades. Em primeiro lugar surgem os professores que estão na sala de aula, que lidam com o aluno, que orientam e organizam o trabalho, que lhes fazem perguntas, que obtêm e lhes dão feedback. Em segundo lugar, há medidas que são de cariz organizacional. Como é que a escola se organiza? Os professores trabalham mais ou menos em equipa? A escola tem o sistema organizado para atender aos alunos com dificuldades de aprendizagem? Depois é preciso não esquecer que certas dificuldades que algumas crianças têm estão a montante da escola.

E de que forma se deve intervir a montante?
Aí há uma intervenção indispensável do assistente social da escola ou de outros profissionais ou do município, e muitos têm, cada vez mais, uma intervenção social articulada com as escolas junto das famílias. Não é fácil a uma criança que vive num lar totalmente desestruturado, de pernas para o ar, depois ir para uma escola onde tudo é estrutura. Não estou a dizer que as crianças com dificuldades de aprendizagem são apenas as que têm lares desestruturados, algumas delas até são grandes heróis e conseguem fazer percursos fantásticos. É preciso ver até que ponto a escola faz as parcerias certas para ajudar essas crianças a aprender e isto tem de ser feito o mais cedo possível, ainda antes da entrada no 1.º ciclo e com as famílias. É preciso tentar evitar que essa criança inicie cedo de mais um ciclo de insucesso. Depois há uma multiplicidade de caminhos possíveis ao longo da escolaridade, como o ensino profissional. Ou seja, nem toda a gente quer fazer caminhos muito tradicionais no prosseguimento de estudos. Há muitos jovens que preferem estudar numa área mais técnica e mais prática. Hoje, o ensino profissional já tem mais de 40% de jovens no secundário. As pessoas nem se apercebem que quase metade dos jovens do ensino secundário em Portugal estão no ensino profissional.

Mas ainda existe algum estigma em relação aos cursos profissionais.
Isso é um caminho difícil, mas quando se olha para as idades verificamos que já há um conjunto de jovens que vão para o profissional porque querem e não porque têm um percurso de insucesso. Não é algo que se mude por decreto. É a mesma situação dos Politécnicos. Como é que o Politécnico de Leiria - talvez o Politécnico que tem maior afirmação em Portugal - se tem afirmad

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