Sociedade

Nicolau Santos: "a dimensão do que aconteceu no BES era impensável"

13 jun 2019 00:00

Entrevista | Eleições europeias e legislativas e os alertas sobre o que se passava no BES.

Jacinto Silva Duro

Segundo um relatório deste ano da Freedom House, em Portugal, a liberdade de imprensa é comparável à dos países nórdicos e uma das melhores do mundo...
Não tenho quaisquer dúvidas de que é. Hoje, se não fazemos mais pode ser por limitações próprias ou por limitações eventualmente financeiras. Porém, do ponto de vista da liberdade de imprensa, trabalhei em vários grupos privados e nunca tive nenhuma indicação de um patrão da comunicação social para escrever assim ou assado e, aqui, na Lusa, passa-se a mesma coisa. Recentemente, tive oportunidade de explicar a um embaixador de um país estrangeiro em Portugal - não vou dizer a quem -, que há dois tipos de agências: as públicas e as oficiais. A Lusa é pública, mas não é oficial. Tem completa independência editorial. O Governo não dá ordem alguma, nem a mim nem à Luísa Meireles, a directora de informação. Em Portugal, há um elevado grau de liberdade de informação. É evidente que, por vezes, as autoridades são mais resistentes em dar alguma informação de que necessitamos, mas, geralmente, a sociedade portuguesa é bastante transparente. 

Leia aqui a primeira parte desta entrevista: "assisti a muitas tentativas de condicionamento por parte do poder económico"

O que se passou com o jornalismo económico que não detectou o que se estava a passar com a banca?
Por que tinha de ser o jornalismo económico a detectar isso e não o Banco de Portugal e as restantes autoridades? Muito antes de ter acontecido o que aconteceu no BES, o Grupo Impresa e o jornal Expresso onde eu estava, foi alvo de uma grande retaliação por parte do Grupo BES, que era um dos maiores anunciantes. Foram cerca de três milhões de euros de publicidade cortados, não apenas ao Expresso, mas à Visão, à Caras, à SIC, porque publicámos notícias que não agradaram ao Grupo Espírito Santo. Sempre achei que as coisas iam correr mal porque, quando começávamos a olhar para a constituição do Conselho de Administração do BES, viam-se inúmeros familiares das famílias Salgado e Espírito Santo que, por vezes, nem sequer tinham cargos... E quando se viam os investimentos que o BES fazia para lidar com a comunicação social… Foi uma coisa que nunca aceitei, embora tenha andado a circular uma fotografia a dizer que eu estava lá, mas as pessoas vêem as fotografias e não vêem o resto.

Investimentos?
O BES organizava seminários em estâncias de neve em França e na Suíça e, no Verão, organizava regatas no Mediterrâneo, onde estava o doutor Ricardo Salgado num barco e os jornalistas noutro. No final, havia um dia onde se encontravam com ele. Percebia-se que haveria ali algo que não batia certo. Depois, houve o caso Mensalão, onde o Banco Espírito Santo e o doutor Ricardo Salgado foram envolvidos. No Expresso, escrevemos peças sobre isso e eles reagiram violentamente e cortaram a publicidade. Tínhamos a noção da dimensão do que isto teria? Não, não tínhamos. A dimensão do que aconteceu no BES era impensável. Mas tínhamos consciência - e isso foi escrito e dito várias vezes - que algo se passava. Havia a consciência de que, quem mandava na PT era o doutor Ricardo Salgado. Os sinais estavam lá! Evidentemente, os jornalistas não substituem o Ministério Público e os tribunais. Digo muitas vezes aos jornalistas: o jornalismo é uma profissão dura, onde todos os dias há pressões. Pensa-se logo que são os primeiros-ministros a fazer pressão, mas não. Os políticos são os que têm menos capacidade de fazer pressão sobre os jornalistas. Quem tem muita capacidade de a fazer é o mundo económico. São ameaças mais complicadas porque atingem o funcionamento da empresa jornalística. Ao longo da minha carreira, assisti a muitas tentativas de condicionamento por parte do poder económico. Felizmente, tínhamos e continua a existir um patrão, o doutor Francisco Pinto Balsemão, que, em relação a isso, era para o lado para onde dormia melhor. E não é só aqui. No Desporto, os três maiores clubes fazem, sistematicamente, boicotes a jornais desportivos, quando não lhes agrada a informação que lá está... E não é só aqui! Na Cultura, existem muitos grupos que também fazem boicotes, relativamente a certos espectáculos, notícias, etc. E podemos continuar a falar de outros casos. Esta profissão é para pessoas de pele dura, porque, todos os dias, há pressões. A nossa missão, é resistir a essas pressões e divulgar e informação. É dizer a governos de Direita e de Esquerda e do meio: "desculpem, aqui, nesta casa, mandamos nós!” E não se pense que quem está na oposição não faz pressão. Nas últimas eleições, houve quem, da oposição, se insurgisse contra uma notícia que publicámos.

Nas eleições europeias, houve críticas por se ter "falado muito" mas "pouco da Europa"... 
É injusto dizer que os jornalistas não fizeram o seu trabalho e que deveríamos meter a mão na consciência. Em todas as eleições sobre temas específicos, é possível encontrar em órgãos de comunicação social dossiers muito bem feitos: sobre as autárquicas, sobre as europeias, sobre as legislativas. Isso é um dos lados da questão. O outro é: as pessoas estarão interessadas em ler isso? Preocupam-se? Querem saber? Vimos pelo grau de abstenção nas Europeias que não é por causa das notícias que as pessoas não vão votar. Na Europa, houve um aumento na taxa de votação para 50% ou mais... Talvez tenha havido um sobressalto cívico motivado pelos fundamentalismos e extremas-direitas. Aqui não, talvez por não o sentirmos. Nos debates na nossa televisão houve propostas interessantes, mas, na campanha, por ser virada para o público, o que esteve em cima da mesa foi a política interna e alguns casos específicos. Claro que o som maior é o do comício. 

Nas últimas eleições, o PS, aparentemente, saiu reforçado. Que cenário poderemos ter nas próximas Legislativas?
Não acredito que exista uma maioria absoluta do PS. Os socialistas subiram nestas eleições e, normalmente, os partidos que estão no poder, nas eleições europeias, são penalizados. Pode ser um bom sinal para o PS. O PSD está a passar por uma fase muito difícil. Estamos a caminhar para um quadro político mais fragmenta- do e os resultados das eleições europeias, se fossem aplicados às legislativas, levam a subentender que o PAN pode vir a ter três a cinco deputados. 

Foi um voto numa alternativa que não se posiciona nem à direita nem à esquerda? 
Foi um voto noutro tipo de valores a que os partidos tradicionais não têm dado atenção. Há muita gente que não se interessa pela política pura e dura, mas que se preocupa com a ecologia, com os animais e com uma série de temas que não estão na política dos partidos tradicionais. O voto no PAN é um voto despolitizado num partido que representa a despolitização. Aparentemente, o BE também terá condições para reforçar a sua posição. Assunção Cristas que pensava que o CDS poderia vir a ser alternativa no centro-direita, ultrapassando o PSD, não alcançou o que desejava, pelo contrário. Não sei se foi uma penalização por causa da campanha agressiva e baseada em casos, conduzida pelo doutor Nuno Melo... A tentação do PS, no cenário de não ter maioria absoluta, vai ser o que fez agora, que é governar sozinho, apoiando-se ou fazendo um acordo de incidência parlamentar por quatro anos com mais um dois ou três partidos. Se ficar muito próximo da maioria absoluta pode mesmo fazer um acordo apenas com um partido. António Costa tem repetido que esta solução governativa é para continuar. Mas para dançar o tango, neste caso, são precisos três! E não sei se os outros dois estarão disponíveis para o tango. Pelos sinais que vêm do PCP parece que não quer dançar mais.