Poderá a Lusa, uma agência de notícias de língua portuguesa, estar, algum dia, presente no Brasil como está nos PALOP?
O público não tem, muitas vezes, consciência que a Lusa é a única agência de notícias em língua portuguesa que existe em todo o Mundo e com estas características. O Brasil não tem nada parecido com a Lusa. Estamos presentes em cinco continentes e 21 países, além de cobrirmos todo o território continental nacional e as ilhas. Não há, em Portugal, um órgão de comunicação que esteja presente em tantos sítios, como nós. Somos importantes para quem fala português e pretende informação no nosso idioma e também somos imprescindíveis para os PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Além de lhes fornecemos informações que eles consideram muito credíveis, damos formação a profissionais desses países. Há algo que nos distingue de qualquer outra grande agência de notícias - é evidente que não nos podemos comparar, por exemplo, à Reuters, que é maior e fala e escreve em língua inglesa -, mas, no mundo português, somos claramente a agência mais importante. Os potenciais clientes do Brasil, em primeiro lugar, não estão interessados em informação em língua portuguesa de Portugal. Em segundo, quando querem algo das ex-colónias portuguesas fazem contactos directos. Quando assumi a presidência pareceu-me óbvio que não temos capacidade de penetrar no mercado brasileiro, porque não há interesse por uma agência de língua portuguesa como a Lusa. Fazemos muito boa informação em África, mas os nossos clientes de lá estão, tal como os nossos clientes portugueses, a passar por grandes dificuldades financeiras. Por isso, apostamos em dois grandes mercados; o anglo-saxónico - recentemente nas cheias de Moçambique tivemos muitas solicitações do The Guardian, do New York Times, etc.-, e o eixo Macau-Pequim. É que Macau foi definido pela China como plataforma oficial de ligação aos países de língua oficial portuguesa e aos PALOP em particular.
Falou nas dificuldades dos media em Portugal… Continua a defender que, no futuro, iremos ter informação suportada por dinheiro público?
Não defendo que todos os media tenham de ser suportados por dinheiro público. Mas é fundamental, para a vitalidade da democracia, que exista uma comunicação social livre, independente, com diferentes pontos de vista e sensibilidades. Trabalhei 19 anos e nove meses, no Grupo Impresa, antes de vir para aqui e vi o que aconteceu. Na generalidade dos meios de comunicação social - e estou a falar de televisões, de rádios, da imprensa escrita local, regional e nacional - o que se está a passar é dramático do ponto de vista das receitas e muitos deles estarão a caminho da extinção, se não houver, por parte do Estado, o entendimento de que o desaparecimento de um órgão de comunicação social não é uma questão de mercado, mas uma questão democrática. O Estado tem a obrigação de tomar medi- das que possibilitem que os órgãos continuem a viver e a assegurar a pluralidade da informação. Há maneiras para o fazer. Desde os portes pagos até outras ferramentas que podem aliviar a situação que os media vivem. O outro lado da questão é que os órgãos de informação públicos ou participa- dos pelo Estado, como a RTP ou a Lusa, precisam de continuar a receber indemnizações compensatórias ou outro tipo de transferências vindas do Orçamento do Estado para exercerem a sua função. A Lusa está presente em várias partes do Mundo, Continente e Ilhas porque temos cerca de 13 milhões de euros líquidos, de indemnização compensatória, mas as nossas receitas são cerca de quatro milhões, que é pouco para conseguimos fazer o que fazemos todos os dias.
Leia aqui a segunda parte desta entrevista: “A dimensão do que aconteceu no BES era impensável”
O que está a provocar esta crise nos media? É a dificuldade de trabalhar no online? É o desinteresse do público?
A imprensa cometeu hara-kiri há 15 ou 20 anos, quando acreditou que poderia disponibilizar gratuitamente a informação e tudo seria pago pela publicidade. Neste momento, há duas gerações de pessoas - leitores, espectadores e ouvintes de rádio - que pensam que a informação é gratuita. Há pessoas que produzem informação segundo regras deontológicas e que têm de receber pelo trabalho que desenvolvem. Se se fizer uma sondagem junto das camadas mais jovens da população perceber-se-á que estão disponíveis para pagar entretenimento no computador - para ver Netflix ou algo desse género - mas não se encontrará alguém que queira pagar para receber notícias. Depois, há a questão das redes sociais. As pessoas confundem jornalismo, com o que está nas redes sociais. Pensam que a "informação" ou o que aparece lá, que tanto pode ser alguém a dizer que fez anos e que teve uma linda festa, como as fotografias de um almoço de família, é jornalismo e não precisam de se informar de mais nada. Depois, o público está orientado para grupos onde se sente bem. Quer estar em sítios onde lhes digam aquilo em que já acreditam e que não sejam confrontadas com opiniões e factos diferentes. O maior exemplo disto é o presidente Trump que defende que os políticos devem falar directamente com o povo, através do Twitter e coisas desse tipo, porque os jornalistas "estão sempre a desvirtuar a verdade" que ele diz. Há muita gente disponível para acreditar nesta tese. Por fim, há os grandes motores de busca. Mesmo quando se está interessado em informação, em vez de ir a uma marca tradicional que se conhece, é mais simples ir ao Google e fazer uma busca. O que acontece? Toda a publicidade para o espaço virtual, que seria dirigida aos órgãos de comunicação social, entende que terá mais visualizações se estiver presente nos motores de busca e não nos sites dos media. Em Portugal, nos sites de todas as televisões, rádios e jornais, há apenas 20% do bolo publicitário. Os restantes 80% estão no Google e Facebook. As redes sociais são o cuco que vai pôr os ovos no ninho dos outros. Os jornalistas trabalham arduamente, mas quem recebe a publicidade pelo nosso trabalho são os motores de busca. Não pode ser apenas um Governo a tratar desta questão. Tem de ser resolvido a nível europeu. A Google e o Facebook não pagam impostos na Europa e estão a beneficiar com a informação produzida em solo europeu.
O leão da 2.ª Circular
Nicolau Santos nasceu em Luanda, em 1954, e é um jornalista especializado em assuntos económicos, tendo sido director-adjunto do Expresso. É o actual presidente do Conselho de Administração da Agência Lusa.
Tão ou mais sportinguista do que o “Leão da Estrela”, no edifício sede da Lusa, junto à 2.ª Circular, do outro lado do “ninho da águia”, ocupa um gabinete onde a secretária está, estrategicamente colocada de costas para o estádio do SL Benfica.
"O Sporting teve uma época bem sucedida, após aquela catástrofe que foi o final da época passada. No entanto, estamos dois passos atrás em relação aos principais concorrentes. No próximo campeonato, se ficarmos em segundo lugar, será excelente”, diz.
Lançando mão da sua veia divinatória, adianta que “o clube precisa de continuar a trabalhar, reforçar as suas infra-estruturas, aproveitar os seus jovens, pois não tem capacidade financeira para comprar grandes jogadores. O Bruno Fernandes que nos saiu este ano foi um achado! Foi uma pérola, mas isso não acontece todos os anos.”
Desde 2006, é comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Iniciou a sua carreira no Jornal de Notícias, em 1978, passando depois pelo O Jornal e pelo Expresso. Foi chefe da Secção de Economia da agência de notícias ANOP até 1986.
No ano seguinte, foi um dos co-fundadores do Semanário Económico. Passou pela SIC Notícias onde foi co-apresentador do Expresso da Meia-Noite. Amante de poesia, publicou dois livros: Portugal Vale a Pena e Aroma de Pitangas.
Ultimamente, vários media, que tinham notícias gratuitas online começaram a ter conteúdos premium, a ter paywalls, a aderir ao Nónio...
Estamos a assistir a uma busca de um modelo de negócio? Os meios tradicionais ficaram sem a sua tradicional fonte de receita que era a venda de informação... Vamos ver quais serão os resultados deste caminho. Não é o único. Na Comissão Europeia, podem ser tomadas medidas para os grandes motores de busca pagarem pelos benefícios que têm. Independentemente disso, todos os produtores de informação, com marcas mais tradicionais, chegaram à conclusão de que custa dinheiro produzir online. Que custa pagar às pessoas. E se querem melhor informação é preciso pagar ainda mais. Vejo com muito interesse este fenómeno que se está a alargar pelo Observador, pelo Público, pelo Expresso... Todos eles começam a ter conteúdos premium pagos... É curioso que parte desses artigos pagos são de opinião. Com a avalanche de informação, com que todos os dias somos soterrados, damos cada vez mais importância a quem nos dá pistas ou à leitura que fazem dos acontecimentos. Por outro lado, mesmo com este esforço, as receitas continuam longíssimo das que existiam anteriormente.
Quais serão os grandes pontos da sua estratégia de presidência do Conselho de Administração da Lusa?
Há uma frente externa e outra interna. Na primeira, estamos a estender-nos para Cantão e Xangai, na China, porque são áreas, do ponto de vista económico, muito importantes. Internamente, temos feito um grande esforço de investimento. A Lusa investia, nos últimos anos, entre 200 a 300 mil euros, e isso era muito pouco para acompanhar as mudanças tecnológicas. No ano passado, investimos 800 mil euros para modernizar os aparelhos de vídeo e áudio, e computadores, para melhorar a nossa capacidade de resposta em Portugal e nas nossas delegações em África. Em Angola e Moçambique, queremos aumentar a produção de vídeo e de texto. E há questões internas, com impacto externo. É o caso da mudança do logótipo da empresa. Há poucas pessoas que saibam, tirando os jornalistas, o que é a agência. Às vezes, confundem-nos com uma agência funerária. É bastante desagradável. Também há quem ligue a perguntar a que horas chega determinado avião porque somos "uma agência de informação". Depois há outra ideia que defendo: não há empresas felizes, com trabalhadores desmotivados. Quando cheguei, era preciso tentar encontrar meios para aumentar o rendimento disponível dos trabalhadores, que está congelado há quase dez anos. Não temos muita margem de manobra porque todos os aumentos salariais estão dependentes do Ministério das Finanças. Mas aumentámos o subsídio de refeição, demos um dia de folga sempre que o trabalhador faz anos, ou meio- dia quando forem os filhos com menos de 12 anos… Vamos tentando encontrar formas de melhorar o ambiente de trabalho.
Gostaria de conseguir um novo modelo de financiamento para a Lusa?
O Estado detém 51% da Lusa e o resto do capital é de parceiro privados.... Os privados não metem dinheiro na Lusa. Só o Estado o faz. Mas sim, é preciso outro modelo de funcionamento. Todos os anos, o Estado dá- -nos uma indemnização compensatória, depois diz-nos que precisamos de aumentar as nossas receitas próprias. Mas a ideia é aumentarmos para o Estado reduzir a indemnização compensatória. Não temos estímulo algum para aumentar as receitas! Ficaremos sempre com o mesmo bolo. A empresa deveria ser premiada porque nos pedem que cheguemos a sítios que, numa lógica economicista, não são rentáveis. Temos um contrato trianual, que está a acabar este ano e estávamos a tentar negociar um novo contrato, mas o Governo entende que, como passa a legislatura, não o fará. Há outras ideias para termos receitas, mas podem ser polémicas, do ponto de vista editorial e jornalístico. A Efe fá-lo e a AFP fá-lo… Sob o chapéu da marca, poderíamos criar linhas noticiosas específicas, dirigidas a sectores económicos - por exemplo na Saúde, pode-se disponibilizar todo o noticiário que se produz nessa área e metê-lo numa linha específica. Mas esses clientes começam a pedir que façamos conteúdos em vez de sermos nós a marcar a agenda. São coisas rentáveis, mas têm de ser feitas por uma redacção à parte, porque é algo que pode ser polémico.