Entrevista

Rogério Gaspar: “Para muitos, a Covid-19 já acabou, mas há gente a morrer todos os dias”

4 jun 2022 13:00

O director de Regulação e Pré-qualificação na Organização Mundial de Saúde, diz que a política de Covid Zero é insustentável e que a oportunidade de debelar a Covid foi em Wuhan

Rogério Gaspar
DR
Jacinto Silva Duro

Em Janeiro de 2021 tornou-se director de Regulação e Pré-qualificação na Organização Mundial da Saúde. Quais são as suas funções?
A OMS é uma agência especializada do sistema das Nações Unidas, mas ao contrário das outras que estão sob a alçada dos secretário-geral e secretários-gerais em Nova Iorque, ela é "governada" pelos 194 Estados-membros. O director-geral é eleito por eles e não designado pelo secretário-geral das Nações Unidas. A OMS tem assim um corpo de gestão, incluindo uma vice directora-geral e directores-gerais assistentes, nomeados pelo director-geral. Há estruturas de suporte administrativo, de governança, da cooperação multilateral, do suporte informático, de administração financeira, entre outras, e um conjunto de divisões centradas em áreas programáticas ligadas ou a doenças ou a grandes questões do sistema de saúde. À parte, há ainda uma divisão grande com competências na preparação e resposta em emergências em saúde. A divisão onde o meu departamento se inclui, está na segunda parte, naquela que tem as áreas programáticas e uma delas é a de Acesso a Medicamentos e a Outros Produtos de Saúde, dirigida pela "assistant director-general" Mariângela Simão, uma pediatra brasileira com uma larga experiência a nível estadual e federal no Brasil, que esteve como directora de um dos departamentos da ONU SIDA. Nesta divisão, há dois departamentos, o de Health Policies and Standards, ligado a políticas de acesso à saúde, com estabelecimento de listas de medicamentos e de produtos essenciais, mas também a normalização de padrões, quer sobre a avaliação de medicamentos, quer sobre a avaliação de tecnologias da saúde.

E o outro?
O outro departamento é o de Regulação e Pré-qualificação, o que eu dirijo, e que representa cerca de 60 a 70% de volume de trabalho e de equipa. A divisão tem cerca de 220 pessoas e o meu departamento tem cerca de 150. Temos uma unidade de pré-qualificação, uma de regulação e de segurança e uma de assistência à produção local de medicamentos e de produtos de saúde. As unidades têm depois, abaixo, equipas com tarefas específicas. Por exemplo, na Pré-qualificação, faz-se a pré-qualificação de medicamentos, de vacinas, de dispositivos médicos e de inspecções.... Os chamados vector control products, que vão das redes de protecção de mosquitos, até mosquitos transgénicos, ou seja, desde tecnologias clássicas às de ponta com modificação genética. O Regulation and Safety age à volta de funções regulamentares nos Estados-membros, estabelecimentos de redes complementares, do sistema mundial de farmaco-vigilância. A unidade que pilota o sistema mundial de farmaco-vigilância com o Vigibase, base mundial de farmaco-vigilância, está localizada no Uppsala Monitoring Centre (UMC), na Suécia. O UMC é o que chamamos um WHO Colaborative Centre, ligado directamente ao meu departamento. Significa que eu, pelo facto de ser director de departamento, numa parceria entre o Governo da Suécia e a OMS, sou, automaticamente, vice-chair do Conselho do UMC. É uma parte fundamental do nosso trabalho de colaboração, à escala mundial, na farmaco-vigilância. Depois, temos outras áreas de alertas de defeitos de qualidade em produtos de saúde, de combate aos medicamentos falsificados ou produzidos em condições sub-standard. Há uma colaboração muito grande com várias agências globais nessa área. Temos ainda uma área de certificação de laboratórios e o apoio à produção local. Na totalidade, temos, no departamento, três unidades que representam 12 equipas ou áreas especializadas que realizam esse trabalho. Pegando no exemplo mais simples, o das vacinas. A função que realizamos é semelhante àquilo que a Agência Europeia do Medicamente ou o Infarmed realizam para a autorização de introdução no mercado, mas não somos responsáveis por emitir essa autorização, porque não temos um território. Servimos de suporte aos Estados-membros que não têm capacidade técnica para realizar esse trabalho ou suporte ao public procurement no quadro das Nações Unidades. Os programas de vacinação da Unicef e outro tipo de programas que dependem do nosso trabalho de avaliação técnica, representavam antes da pandemia cerca de cinco biliões de dólares de mercado mundial, só do sistema das Nações Unidas. O apoio aos países tem que ver com uma realidade dramática. Setenta e cinco por cento dos 194 estados-membros da OMS não tem uma agência regulamentar funcional de acordo com critérios internacionais. Muitos deles, não teriam condições para realizar uma avaliação técnica adequada se não existíssemos para fazer essa intermediação. O caso mais paradigmático são, então, as vacinas para a Covid-19. Até ao dia 20 de Maio, aprovámos 11 vacinas, com 17 ou 18 Emergency Use Listing, porque algumas têm processos de fabrico diferentes e têm de ser tratadas de forma autónoma. Muitas vezes, o processo de fabrico, quando não é conduzido na mesma fábrica, tem um impacto tão grande no produto final, que temos de considerar uma avaliação à parte. Estas 11 vacinas correspondem a 70 locais diferentes de fabrico de substância activa ou produto acabado, que também têm de ser inspeccionados e monitorizados por nós. Depois, através do Facilitating Product Introduction, que faz a ligação às agências nacionais, olhando para caso particular e para as deficiências que existem, assistimos cada uma delas, para terem uma autorização regulamentar. Fornecemos os dossiers e relatórios e todo o trabalho de apoio para decisão dos Ministérios da Saúde e outras estruturas nacionais. Estas 11 vacinas, traduziram-se em 3500 autorizações regulamentares em 150 países. Sem esta intermediação entre o desenvolvimento tecnológico e a assistência técnica aos países mais necessitados, as coisas seriam mais difíceis ou não teriam a qualificação técnica adequada.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmava, no início do ano que, por esta altura, já estaríamos próximos da endemia, prevendo o fim da pandemia. A previsão pecou por precoce?
É natural que estejamos cansados destes dois anos e queiramos ver o fim do túnel, o mais rápido possível. Seria a pessoa mais contente d

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