Esta é a segunda época balnear em situação pandémica. Que dificuldades acrescidas trouxe o actual contexto à missão da capitania?
Os desafios não são para a Autoridade Marítima. São para a sociedade em geral. As pessoas têm de se controlar e de adoptar os cuidados exigidos. A nós - e aos outros órgãos de fiscalização - cabe-nos fazer cumprir o que está em vigor.
Tem sido fácil controlar a lotação das praias?
Essa é uma responsabilidade dos concessionários. São eles que têm de olhar para a praias e colocar as bandeiras correspondentes à lotação. Neste caso, a missão da Autoridade Marítima é a de verificar se essa avaliação é a mais correcta. Até agora, não tem havido situações para agirmos.
A pandemia trouxe maior procura por praias não vigiadas?
Este ano, nem as praias vigiadas têm enchido muito. Neste aspecto, a meteorologia está a ajudar, não se registando problemas de sobrelotação das praias. Em Julho foi assim, veremos como será Agosto. As pessoas devem ir sempre para praias vigiadas. Não diria que as praias da região são perigosas, mas o mar tem muita força. Pelo que, não se deve arriscar. As pessoas já interiorizam esse princípio e as praias não vigiadas têm pouquíssima gente.
A projecção que as ondas gigantes da Nazaré tiveram nos últimos anos trouxe, em termos de segurança, uma preocupação acrescida à capitania?
Existem ali três níveis de preocupação. O primeiro nem são os surfistas na água, porque em torno da actividade existe já uma organização montada, quer em mar quer em terra, para que em caso de acidente se actue de imediato. A maior preocupação é a presença das pessoas junto ao Forte de São Miguel Arcanjo. São milhares de pessoas na arriba a observar o que se passa no mar. O maior perigo das ondas gigantes está na presença de milhares de pessoas nas arribas. A preocupação de saber como operar em condições tão difíceis no caso de haver uma queda. Na última época de ondas gigantes, que vai entre Outubro e Março, tivemos uma preocupação adicional, relacionada com contexto pandémico.
Não seria prudente criar algumas regras para essa observação?
A solução passará sempre por um trabalho em conjunto entre Agência Portuguesa do Ambiente, o Município da Nazaré e, obviamente, o órgão local de Autoridade Marítima. A solução não é fácil. Passa muito pela mentalização das pessoas e pela sensibilização para o risco que correm. Mas é difícil incutir esse pensamento, porque a tendência é a de procurar chegar o mais à frente possível.
No ano passado, chegou a interditar o acesso à zona do farol, uma medida que gerou alguma polémica. Voltaria a fazê-lo?
Foi no dia 29 de Outubro que, segundo a população local, terá sido o dia com mais gente junto ao farol. Foi um dia muito confuso. Havia muita gente que não queria usar máscara e era difícil manter o distanciamento social. A decisão de interditar o acesso teve em conta um parecer da Direcção- -Geral de Saúde, que entendia que as pessoas não podiam ir para ali, devido ao ajuntamento que se gerou. Se o contexto fosse o mesmo e se o parecer da Autoridade de Saúde tivesse o mesmo sentido, tomaria, de novo, essa decisão.
Apesar da operação de segurança montada em torno dos surfistas de ondas gigantes, esta não será uma prática que vai além daquilo que o bom-senso aconselha?
É uma actividade radical, como existem outras, feita por surfistas muito experientes. Não é qualquer um que enfrenta aquelas ondas.
Na praia da Nazaré tem-se assistido, nos últimos anos, a um acumular de estruturas no areal. Não deveria haver mais articulação entre entidades para maior controlo da situação?
Desde Janeiro de 2021 que, de acordo com o Decreto Lei 97/2018, as competências das praias concessionadas estão sob a alçada dos municípios. É a eles que cabe o licenciamento das estruturas presentes no areal. Em algumas situações a Autoridade Marítima dá parecer.
A capitania da Nazaré tem uma área de influência que vai desde o Pedrógão à Serra do Bouro, em Caldas da Rainha. Os meios que têm ao dispor são suficientes para cobrir esta área?
As diversas capitanias têm uma área semelhante. No nosso caso abrangemos cinco municípios, com características diferentes, mas as problemáticas não diferem muito de um concelho para o outro. Em relação aos meios, aqueles que temos são os ajustados para o cumprimento da missão. Claro que se tivéssemos mais, seria óptimo, mas isso é o que desejamos todos em todas as áreas da sociedade.
Um dos problemas do litoral da região prende-se com a instabilidade das arribas que tem levado à interdição de algumas zonas. É, no entanto, frequente haver pessoas a desrespeitar a sinalização. Será necessária mais repressão?
Na Nazaré, uma das preocupações é a ocupação da zona norte da praia, junto à arriba. Durante gerações, as pessoas foram para ali e é muito difícil alterar práticas enraizadas, sendo certo que não é com repressão que conseguimos alterar hábitos. Temos de continuar a apostar na sensibilização. Isto não implica que, em situações extremas, as autoridades não actuem em conformidade. Se ocorrer um acidente nas arribas, não é por falta de sinalização, mas porque os cidadãos prevaricam. As pessoas devem evitar estar debaixo de arribas, da mesma forma que devem procurar sempre praias vigiadas.
Quando abordam as pessoas que estão nessas zonas e lhes pedem para sair, elas acatam as vossas indicações?
Acatam e percebem as razões. A nossa primeira atitude é sempre pedagógica, porque o mais importante é o que fica na cabeça das pessoas. Significa que as pessoas interiorizam o princípio e que o efeito dessa acção vai perdurar. Se vamos pela repressão, as pessoas ficam revoltadas e o mais certo é não interiorizarem a mensagem.
Na área desta capitania têm sido desencadeadas várias acções de combate à pesca ilegal de meixão. Quando apanham os infractores, quais as razões que estes invocam para tal prática?
A pesca do meixão só se faz pela sua rentabilidade. É uma actividade com grande impacto no meio ambiente e, por isso, é considerada crime. O facto de ser muito rentável, faz com as pessoas arrisquem. A nós e às outras entidades com competência nesta área cabe-nos fiscalizar. Todas as ilegalidades em torno da pesca, como acontece noutras actividades, têm sempre que ver com o ganhar mais dinheiro.
Missão em Timor “foi uma experiência muito marcante"
Conta cerca de 14.600 horas de navegação. Qual o sítio mais incrível onde navegou?
O sítio mais incrível onde estive foi numa missão da Fragata Vasco da Gama, no ano 2000, que culminou com a libertação de Timor-Leste. Atravessámos o canal do Suez, o Mar Vermelho, o Índico e estivemos em missão entre Darwin [Austrália] e Díli. Era então um jovem oficial, de 29 anos. Foi uma experiência muito marcante. Tínhamos a noção que estávamos a participar num momento histórico para o povo timorense, mas também para nós portugueses. Marcante foi também o período em que comandei a corveta Batista de Andrade, em 2008. É uma grande responsabilidade, comparável à função de ser comandante de um porto. Ao comando desse navio fiz duas comissões nos Açores e participei na missão Mar Aberto, que envolve os países de língua oficial portuguesa. No meu caso, estive em Cabo Verde a cooperar com a Marinha deste país. Marcante foi também ver desaparecer a corveta Batista de Andrade, entretanto abatida ao efectivo.
O que o levou a optar pela carreira na Marinha?
Gostava de ter seguido arquitectura, mas a família não tinha condições para que eu prosseguisse estudos. Mas eu não sou de me deixar ficar. Um dia, vi um anúncio na televisão da Marinha Portuguesa, com o slogan que ainda hoje se mantém - "Marinha, um futuro sempre jovem" – e a imagem de um navio em destaque, que hoje sei que era uma corveta, e disse para a minha mãe: “vou para a Marinha”.
Que idade tinha?
Tinha 19 anos. Talvez seja o destino. Olhando para trás e para o percurso que fiz, não me imagino a fazer a mesma coisa no mesmo sítio durante 30 anos. A Marinha tem-me proporcionado experiências muito diferentes. Naveguei, estive em duas fragatas, especializei-me em artilharia, desempenhei funções no Estado-Maior, estive na Divisão de Logística do Comando Naval em Oeiras e comandei um navio, a experiência a que todos os oficiais da classe Marinha aspiram. Passei ainda pelo quartel-general da NATO em Bruxelas e estive em Roma. O slogan da Marinha não é enganador. É uma excelente organização que nos dá aquilo que também lhe dermos. Como somos preparados para dar muito, também nos dá muito.
Zeferino Henriques, 53 anos, assumiu as funções de capitão do Porto da Nazaré e comandante local da Polícia Marítima há quase um ano. Diz que tem sido “um desafio interessante” e que a experiência tem correspondido às expectativas.
Natural de Moçambique, ingressou na Escola Naval em 1987, onde fez a licenciatura em Ciências Militares e Navais. Capitão-de- -fragata, especializado em artilharia, conta com cerca de 14.600 horas de navegação.
Comandou o navio de guerra Batista Andrade, participou em missões internacionais, incluindo em Timor, e exerceu funções na Divisão de Planeamento do Estado-Maior da Armada, entre outros cargos.