Opinião
A cidade e o seu centro histórico
O que deve ser preservado no centro histórico é a sua singularidade a partir de uma visão integrada
Os governantes tomam decisões sob dois tipos de acção – reactiva ou pró-activa. As decisões pró-activas são estrategicamente pensadas e executadas, enquanto que as reactivas são desprovidas de estratégia e limitam- -se a breves actos de reacção a momentos inesperados.
Muito recentemente, a Câmara Municipal de Leiria (CML) promoveu/autorizou eventos no centro da cidade que causaram um forte descontentamento. Foram eventos ruidosos, incomodativos, criadores de sujidade, inimigos do ambiente e da mobilidade urbana sem a preocupação de salvaguardar os direitos dos moradores. A contestação foi tão alargada que, imediatamente, a CML reagiu anunciando 18 medidas de mitigações de impactos dos futuros eventos ao ar livre. As tais 18 medidas são correctas, mas são reactivas. E a pergunta é: por que razão a CML não tomou a decisão das 18 medidas antes dos incómodos criados? Porque a CML não foi pró-activa?
A resposta é simples: a CML tem uma visão errática do que deve ser a nova governança das cidades. Em vez de diminuir as tensões urbanas (carros, prédios e poluição), vai no caminho oposto que é aumentar a densidade de construção e, como isso, aumentar os constrangimentos da cidade. A CML tornou-se a maior amiga da empreitaria. E porquê? Quanto mais prédios houver, mais a CML arrecada dinheiro de impostos imobiliários (IMI e IMT). O problema torna-se mais gravoso no que diz respeito ao centro histórico.
A CML prepara-se para alterar o regulamento do centro histórico em 18 Artigos. O documento de proposta de alteração esteve em discussão pública e, quando for levado à Assembleia Municipal, será inequivocamente aprovado por maioria. Em termos gerais, a alteração do regulamento torna mais permissivo o aumento da densidade de construção (aumentar/nivelar o edificado em altura, em profundidade e em largura, diminuindo o espaço dos logradouros) e abre caminho para uma acentuada descaracterização arquitectónica do edificado, colocando em causa o património identitário cultural do centro histórico. A proposta de alteração é feita reconhecendo os interesses do mercado imobiliário e do alojamento local.
Ou seja, uma vez mais, a CML é reactiva aos interesses do mercado e incapaz de pensar o centro histórico de forma pró-activa. O que o centro histórico de Leiria precisa é de dois instrumentos base: i) um plano de pormenor; e ii) um plano estratégico. Precisa de definir os seus limites, as suas funções e proteger o seu edificado. Precisa de ser estrategicamente pensado nos seguintes vectores: reabilitação, habitabilidade, mobilidade, revitalização da economia local e sustentabilidade ambiental.
Cada centro histórico, em cada cidade, tem características únicas, vivências e história singulares. O que deve ser preservado no centro histórico é a sua singularidade a partir de uma visão integrada. Daí a necessidade de um plano estratégico e não de um regulamento que reage às tendências do mercado imobiliário…