Opinião

A Fronteira do Permissivo

7 set 2020 09:58

Ver abertamente a sexualidade representada continua a ser ainda um ritual complexo na sociedade contemporânea

Isto é um contraponto à procura incessante do erótico, desde os primeiros momentos do cinema, da fotografia, e antes disso na pintura e na escultura.

O erotismo, a sexualidade, é algo que sempre quisemos observar e que sempre representámos, desde que começámos a esculpir estatuetas exibindo mulheres férteis e mais tarde nos quadros em que se desnudam deuses e amantes de reis de outros tempos.

Esta representação contínua da sexualidade advém-nos como uma parte inseparável da expressão toda da nossa humanidade. Mas, no entanto, porque será ainda tão difícil estabelecermos a fronteira do que é permitido neste campo?

Em pleno século XXI, a descoberta, pelos adolescentes, da sexualidade através das imagens faz-se ainda muito mais por via do ilícito do que do lícito. Actores e realizadores temem as consequências de serem demasiado explícitos e, quando o são, muitas vezes pagam um preço alto.

Como Chloë Sevigny, pelo seu desempenho em The Brown Bunny (2003), de Vincent Gallo, ou Kerry Fox, pelo seu papel em Intimidade, de Patrice Chéreau (2001). Passaram a fronteira do explícito, da moral, e a crítica social caiu-lhes em cima, afectando os campos pessoal e profissional.

Talvez seja, portanto, no explícito que se poderá achar a chave para a condenação social. Quiçá na questão colocada pelo elogiado e premiado A Vida de Adèle, de Abdellatif Kechiche, de 2013: o contacto sexual que nunca terá sido real, uma vez que os órgãos sexuais terão estado sempre cobertos por adereços que os imitavam, num jogo de fingimento que nos dá a aparência do real e que, assim, não transgride, não passando a fronteira do imoral.

Nos casos de The Brown Bunny e Intimidade essa fronteira moral terá sido, supostamente, destruída pelas actrizes, por terem tocado a carne real, por não fazerem de conta. Vivemos um tempo de aparente permissividade, de liberdade sem tabus.

Será? Ou será este um tempo em que a sexualidade é catalogada e moralizada como nunca? Talvez isto seja apenas mais um reflexo da polarização de extremos políticos e morais que vivemos.

Mas é ainda relevante pensarmos e discutirmos onde estarão as fronteiras do que é permitido ver-se no cinema, não só aos adultos, mas principalmente aos adolescentes.

Os adolescentes podem ver o quê e quando? E a partir de que idade? Ou terão sempre de descobrir a sexualidade clandestinamente? Será isto inevitável e saudável?

Na minha adolescência, ingenuamente, víamos os pouquíssimo explícitos 9 Semanas e Meia (1986), A Lagoa Azul (1980) ou Orquídea Selvagem (1989) às escondidas, em cassetes de VHS.

Hoje, a sexualidade explícita está na Internet, a um ‘click’ de distância.

Porque será tão difícil falarmos sobre isto?

Irrelevante não será certamente.