Opinião
A imprevisibilidade de ficar sem chão
O chão que, sem esperarmos, a vida por vezes nos rouba…
Foi num mesmo dia que ouvi três pessoas a manifestarem a sua infelicidade como consequência de se terem sentido, perante um imprevisto e triste acontecimento, a “ficar sem chão”.
Uma delas sentiu-se assim quando deu por si a assistir ao início de uma guerra, outra, essa praticante de uma vida saudável, diz ter ficado sem chão quando uma doença grave dela se apoderou.
Por último, uma outra disse que assim ficou quando percebeu que tinha perdido as economias de uma vida.
Perante isto, e como não podia deixar de ser, pus-me em fuga de tanta “falta de chão” e escondi-me por entre as sábias palavras de Edgar Morin.
Diz ele que o ser humano não está preparado para o inesperado e que a educação deve, por isso, incluir o ensino das incertezas para ajudar os alunos a enfrentar os problemas da vida.
Acrescenta que tal é fundamental e que ainda está em falta nos programas da educação.
Ora, ligando o que li à infelicidade das pessoas que referi, pus-me à procura de algumas causas responsáveis pela sua deficiente educação.
Uma primeira identifiquei-a na forma como a História nos foi ensinada.
Limitada por parte dos professores à transmissão, sistematizada e neutra, de factos históricos que deviam ser memorizados habituou-nos a ver nela um conhecimento pronto e, por isso, amorfo, sem grande utilidade para a compreensão do que se passava à nossa volta.
Já uma outra causa encontrei-a na pouca importância que na escola do antigamente se dava à necessidade de que os alunos se sentissem motivados a autoconhecerem-se.
Com um ensino limitado à transmissão de matérias disciplinares, a necessidade de cada um ter a capacidade para reconhecer e lidar com as suas emoções era completamente desprezada.
E foi assim que, apesar de escolarizados, todos saíamos sem conhecer os nossos pontos fracos ou fortes, todos saíamos sem termos trabalhado a resiliência que na vida, logo a seguir, nos apetrecharia para melhor lidarmos com a incerteza.
Por último, uma outra causa, atribuo-a a um ensino da Matemática completamente desligado da realidade.
Este saber, ensinado num ambiente matemático fechado, fez surgir a Matemática como uma construção só possível de ser feita por matemáticos e demos connosco a sair da escola sentindo-a como algo desligado das coisas das nossas vidas e incapazes de aos seus ensinamentos recorrer para nos organizarmos.
Ora, estava eu às voltas com estes meus pensamentos quando vejo que me são enviadas duas fotografias.
Em ambas observo dois amigos, um avô e uma avó, já com as suas maleitas de velhos, sentados “em equilíbrio” no chão a brincarem, divertidos e felizes, com os respetivos netos.
Confesso que com o que vi fiquei encantada!
É que sei que ambos também já se sentiram “sem chão”, mas o amor… oh, o amor fê-los achar de novo esse chão!
Por isso, amemo-nos! Como?
Porque não, conversando com os mais novos sobre a História onde a história da nossa família foi acontecendo ou contando-lhes de como o autoconhecimento e a Matemática nos ajudaram a, num mundo de incertezas, voltarmos a encontrar o chão que, sem esperarmos, a vida por vezes nos rouba…
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990