Opinião
A minha viagem a Inglaterra
As meninas gostavam das partes picantes, de beijos e discotecas, e de saber o que as outras raparigas usavam lá fora
Isto foi há muitos anos. Muito antes da internet colocar a nú os lugares distantes. Ir à Inglaterra era uma aventura impensável para quase todos, a língua era um entrave e os ingleses não facilitavam a entrada a jovens. Nem o governo português facilitava a saída, pois conseguir o passaporte era uma aventura. Mas eu fui mesmo a Inglaterra! A história dessa viagem deu-me muito jeito, em grupos de conversa para impressionar as meninas, algumas que dantes nem para mim olhavam como a Carla da mini-saia.
As meninas gostavam das partes picantes, de beijos e discotecas, e de saber o que as outras raparigas usavam lá fora. Uma perguntou sobre lingerie e eu fiz uma descrição pormenorizada, embora eu acabasse por acrescentar que a maioria não usava roupa interior, isto para fazer salivar os rapazes. Acho que ninguém se importaria se soubesse que muito daquilo era inventado.
Os rapazes queriam coisas mais ligadas a aventuras, à música que se ouvia na Inglaterra (era o tempo dos Led Zeppelin…) e se as inglesas “por dentro” eram mesmo branquinhas como a lixívia. Todos pediam, impacientes: - Conta lá como perdeste o avião, e aquela parte em que ficaste dias sem comer e aquela festa na praia à noite com muitas gajas, cerveja e música.
Ganhei realmente estatuto com esta viagem. A Mafalda nas festas já não me dava tampa e dançou comigo várias séries de slows, a empanturrar-se da minha viagem que eu lhe ia servindo aos pedaços, cara com cara para lhe poder falar ao ouvido. Sabia que ela estava a fazer o frete apenas para conseguir exclusivos da minha história, para depois se exibir diante das outras, todas a arrulharem-se em sorrisinhos cúmplices.
Eu bem sabia que seria descartável quando os bonzões chegassem a acelerar as V5, e eu ali de pé a olhar para os pares agarradinhos. Na cama ruminava vinganças contra aquela ingratidão, nunca mais me iam ouvir contar-lhes a minha aventura. Mas sabia-me tão bem sentir-me importante que na primeira ocasião voltava a contar-lhes a minha aventura. Primeiro fazia-me rogado. Antes de começar lançava (exagerando!) umas frases que já tinha engatilhadas e serviam de isco para chamar a atenção: - Coitada da minha mãe, tive de lhe mentir a dizer que era uma viagem obrigatória e não era. Perdi o avião, sabem?, e dormi fora do aeroporto debaixo de um pinheiro em cima de um monte de m., apanhei boleia até Leiria num Mercedes e era um cheirete dentro carro que o homem conduziu com a cabeça de fora.
Passado algum tempo fui num camião até Paris, dormi ao relento e um gajo drogado quase me ia matando se não tivesse chegado a polícia. A passagem na alfândega inglesa foi cheia de peripécias. Fiquei vários dias numa casa no centro de Londres e até hoje não sei quem são os donos nem eles sabem quem lá esteve (aqui todos ficam impressionados e eu digo que depois lhes conto os pormenores).
Passei fome, tive de roubar chocolates num supermercado e escolhi os maiores mas eram amargos, mais tarde disseram-me que eram para fazer mousse (e todos se riem com a minha ignorância), bla, bla… E de repente dava um salto acrobático para o final, para que todos soubessem que valia a pena esperar até ao fim: - Cheguei a Portugal e a GNR prendeu-me por engano já perto da Maceira, confundiu-me com um larápio que andava a fazer assaltos e depois foi-me levar a casa de Jeep…
- Conta lá tudo do princípio, vá! Tinha-os a todos na mão. Podia começar com calma, com tudo a iniciar-se a montante, numa aula de inglês no liceu de Leiria….