Opinião

A propósito do voto “útil”

22 jan 2022 15:45

No atual contexto, aquilo a que podemos, de imediato, ambicionar, é construir uma melhor democracia “forte”

Meu caro Zé,

No meio deste ambiente eleitoralista dei-me conta, no âmbito das minhas atividades universitárias, de um livro, já de 1998, de Haider Khan, cujo título é sugestivo: Tecnologia, Desenvolvimento e Democracia.

Basicamente, discute a influência da evolução (ou revolução) tecnológica na construção da democracia, invocando aí dois conceitos, que foi buscar a outros autores, distinguindo o que foi designado por democracia “forte” (“strong”) de democracia “profunda” (“deep”).

Nessa avaliação, depois de salientar muitas caraterísticas comuns, evidenciou uma diferença de natureza epistemológica: na democracia “forte” a política é vista como uma arena onde pode não existir qualquer verdade definitiva sobre o que é importante; por seu lado, a “profunda” é baseada na existência de um bem comum, sendo que este, contudo, pode ser difícil de encontrar.

E estas considerações surgiram a propósito do tão reclamado voto “útil”. “Útil” em que sentido? Para tornar a democracia “forte” ou “profunda”?

Na minha opinião uma sociedade verdadeiramente solidária é mais bem caraterizada pela “profunda”, a que está associada a busca do bem comum, do que pela “forte”.

Contudo, reconhece-se que este bem comum é difícil de encontrar e, portanto, pressupõe uma busca crescente, onde impere o gradualismo e a preocupação de consensos, que são uma expressão que tem ligação profunda ao que é comum.

Então, é preciso entrar numa dinâmica de procura gradual e, para isso, a democracia “forte” será um bom ponto de partida ou um obstáculo definitivo a uma evolução democrática no sentido de um valor maior?

Não tenho qualquer dúvida que, no atual contexto, aquilo a que podemos, de imediato, ambicionar, é construir uma melhor democracia “forte”.

E, então, que significará o voto “útil”? Não tenho qualquer dúvida que, na pureza democrática ideal, cada eleitor deve votar naquilo de que mais gosta ou, no limite, naquilo que menos o “desgoste”, sendo que, obviamente, nenhum eleitor (exceto os indefetíveis dos partidos) encontrará uma proposta em que se revê inteiramente.

O nosso sistema eleitoral parece incentivar este voto “útil”, alegadamente para garantir governabilidade, podendo conduzir a uma concentração de votos.

Mas isso só tem de ser assim porque, à partida, se considera que os consensos são quase impossíveis, ao contrário do que seria desejável.

Mas, então, ao reforçar essa governabilidade, não nos estamos a afastar da criação de um objetivo cada vez mais verdadeiramente comum?

Provavelmente, há sistemas eleitorais que permitem outras abordagens mais consistentes com o objetivo de servir o bem comum, que não devem deixar de ser discutidos, pois daí resultará um voto mais genuinamente democrático.

Caro leitor, pense nisto antes de votar, mas, mesmo com este sistema, não deixe de o fazer.

Até sempre,

 

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990