Opinião
A queda do tabu
O FMI veio fazer um técnico mea culpa sobre a sua actuação no resgate financeiro a vários países, nomeadamente Portugal.
O tempo tem sempre uma função clarificadora. Não apenas porque as circunstâncias mudam naturalmente, mas porque as próprias análises ganham uma tranquilidade que, muitas vezes, não é possível ou exigível no meio da refrega.
O FMI veio fazer um técnico mea culpa sobre a sua actuação no resgate financeiro a vários países, nomeadamente Portugal. Em primeiro lugar, é de saudar este esforço de autocrítica, de análise, que demonstra pelo menos uma vontade de aprender para situações futuras.
Em segundo, este contributo ajuda à discussão, académica mas cada vez mais ampla, sobre as soluções desenhadas, os objectivos apontados, os efeitos, os resultados. E aqui há, logo à partida, um erro na fórmula. Além dos vários problemas detectados – expectativas demasiado elevadas, etc. – há algo que é útil não apenas para perceber o passado, mas para perceber o futuro.
O próprio FMI o reconhece: em países que têm uma dívida pública insustentável, uma reestruturação destas devia ser logo feita à cabeça. E Portugal é um dos países usados para sustentar esta posição. Esta opinião do FMI não é caso único, e sim parte de um movimento que, lentamente, está a fazer caminho. E que ganha força à medida que Portugal reconquista a legitimidade e a imagem de normalidade que permita falar destas coisas, essenciais para o seu futuro, sem o perigo de sermos vistos pelos mercados como perigosos radicais que não querem cumprir os seus compromissos.
Temos até economistas e muitos comentadores que diziam que a reestruturação da dívida era não só impossível, era também indesejável, e que agora meteram a viola no saco, fruto talvez do tal efeito clarificador do tempo. Há algo muito claro: a renegociação e a reestruturação (que tem lá dentro o perdão, parcial ou total, bem como outras vias) faz parte do mundo financeiro em que vivemos.
O caldo cultural e técnico dos responsáveis do FMI ou do BCE não é muito diferente do que se vê nas grandes e pequenas instituições financeiras mundiais. E estas, como aliás vemos por cá, estão há muito a colocar em prática o princípio simples da reestruturação: mais vale mudar as condições se isso significar melhores hipóteses de vir a receber algum. No caso português, a dívida pública explodiu – como iria sempre acontecer – e continua a ser uma pedra amarrada aos nossos tornozelos, impedindonos de nadar e puxando-nos sempre para o fundo. A culpa não é lá de fora, é nossa, fomos nós que pedimos o dinheiro.
Mas a culpa é conversa que já deu o que tinha a dar, é altura de falar de soluções. Mais ainda num país que, na última legislatura, vendeu quase tudo o que tinha para vender, e mesmo assim não conseguiu reduzir a dívida. Não é para já. Não é para fazer unilateralmente. Nem é para fazer isoladamente. Mas a questão da reestruturação concertada da dívida terá de ser encarada seriamente. O caminho está a ser feito, começando pela queda do tabu.
*Jornalista