Opinião

A sedução do discurso que divide

23 mai 2025 11:31

Esta criação de inimigos comuns serve um propósito claro: desviar a atenção dos verdadeiros problemas

Vivemos tempos de incerteza. E o descontentamento social é um terreno fértil para o crescimento da extrema-direita. Esta ascensão não se faz por acaso, nem apenas por mérito próprio. Muito pelo contrário: um dos instrumentos mais eficazes usados por estes movimentos é a demagogia — a arte de manipular emoções, simplificar problemas complexos e oferecer respostas fáceis, ainda que ilusórias.

A extrema-direita apresenta-se como defensora do “povo verdadeiro”, sustentando uma visão e uma narrativa polarizadora que separa “nós” dos “outros”. Os “outros” tanto podem ser imigrantes, minorias, elites políticas ou jornalistas. São sempre, contudo, apresentados como uma ameaça à identidade nacional e à segurança da sociedade.

Esta criação de inimigos comuns serve um propósito claro: desviar a atenção dos verdadeiros problemas — económicos, sociais ou institucionais — para focar o debate em questões emocionais e identitárias. No discurso demagógico da extrema-direita destaca-se igualmente a promessa de soluções simples para desafios complexos.

Basta fechar fronteiras, acabar com a corrupção, cortar apoios sociais, fortalecer o Estado e robustecer as forças de segurança, para que tudo se resolva. Na prática, tais medidas raramente produzem os efeitos anunciados — e, muitas vezes, colocam em causa direitos fundamentais e a própria democracia. 

Mas, para quem se sente desiludido com a política tradicional, estas promessas soam tentadoras. As promessas de ordem e segurança. E depois, ainda, assistimos a uma apropriação simbólica de valores como a pátria, a família e a ordem, que são usados como escudos para justificar políticas autoritárias. (Por isso a Revolução de Abril é, ainda para alguns, uma traição a esse ideal de uma Nação/Império, onde deveriam caber as províncias ultramarinas).

Tudo em nome de um suposto regresso a um passado idealizado — que, na realidade, nunca existiu como tal. Este revisionismo histórico, aliado à desinformação e ao ataque sistemático à comunicação social, cria uma bolha de perceção, só válida para a extrema-direita.

Não podemos encarar tudo isto com ingenuidade. A demagogia não é apenas retórica; sempre foi uma estratégia perigosa, que mina o debate público e enfraquece os alicerces democráticos.

E os media, incluindo jornais e televisões, quero crer que inconscientemente (o que também é grave!), têm sido seduzidos pelos demagogos. É urgente promover o pensamento crítico, reforçar a confiança nas instituições e não ceder ao medo.

Quando a demagogia ganha terreno, a liberdade fica sempre a perder.

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990