Opinião

A vergonha de normalizarmos a pobreza  e a miséria humana

3 mar 2023 11:30

É preciso falar mais de pobreza e trazê-la para o debate público e político. É preciso mostrar que ela existe, que está aqui e que afeta milhões de pessoas

Se olharmos para um pobre de mão esticada a pedir dinheiro numa rua repleta de esplanadas com as pessoas sentadas à mesa a devorarem os seus almoços e a situação não nos envergonhar e apenas nos causar nojo é natural que já estejamos a passar para o lado da vulgarização da miséria humana.

Um dado adquirido é que a pessoa que está ali, provavelmente na esperança de arranjar qualquer coisa para comer, tem uma história de vida triste e muito pouco dada à sorte e isso deveria gerar em todos nós um grau de revolta tão grande que ajudaria a evitar aquele género de episódios.

A partir do momento em que a sociedade e o estado colocam na sorte da vida o risco de pobreza e miséria de cada um então é um sinal claro que estamos a falhar como seres pertencentes à espécie humana.

Ver alguém a dormir na rua, olhar para crianças a recolher o lixo que os outros não querem, saber que existem pessoas que se lançam num barco à deriva para fugir das guerras nos seus países, estas e outras situações desumanas deveriam criar-nos arrepios na coluna vertebral e envergonhar-nos ao ponto de agirmos de qualquer forma para evitar que este tipo de situações sejam normalizadas e que deixem de nos incomodar. Não podemos ficar indiferentes a tanta desigualdade. 

Quando analisamos os números divulgados pelo Eurostat ficamos a saber que este problema que afeta só os “outros” pode estar mais perto de nós do que pensamos.

Em 2021, 21,7% da população da União Europeia estava em risco de pobreza ou exclusão social. Quase 100 milhões de pessoas que não têm acesso ou estão em risco de perder as necessidades básicas para sobreviver.

Portugal ocupa um perigoso 8º lugar numa lista que devia estar afixada nas paredes dos gabinetes de todos os decisores políticos de forma a que grande parte dos seus esforços se focassem nas pessoas que se encontram numa posição mais frágil.

São demasiados portugueses, 22% da população do nosso pequeno País, o equivalente a 2,3 milhões de pessoas que vivem mal. Uma dimensão incompreensível num regime democrático. Inadmissível. Intolerável.

Estes números para além de nos alertarem são também reveladores que a possibilidade de estancarmos o ciclo vicioso de “pessoa que nasce pobre, mais pobre será” se apresenta como uma ação cada vez mais utópica. Mais pobreza, menos saúde e menos educação igual a mais exclusão.

A nossa moral, esteja lá ela onde estiver, tem que se mostrar mais vezes, tem que ganhar voz, uma voz que se faça ouvir para que um assunto das populações vulneráveis se transforme num assunto de todos nós.

É preciso falar mais de pobreza e trazê-la para o debate público e político. É preciso mostrar que ela existe, que está aqui e que afeta milhões de pessoas. Tudo isto é uma questão de responsabilidade e todos nós temos que fazer mais para combater algo tão miserável e desumano.

Se formos muitos a tentar o objetivo fica mais fácil de alcançar e o povo ainda é quem mais ordena e por isso o povo tem que ordenar pelo fim da normalização da pobreza e da miséria humana.