Opinião
Afirmar o jornalismo (ou fazer de conta)
Passou um mês desde que os jornalistas portugueses se reuniram em congresso, coisa que já não acontecia há quase 20 anos.
Foram três dias de (re)encontros, muito debate e propostas – para recuperar aqui. E depois?
Uma das resoluções que de lá saiu foi o boicote a conferências de imprensa sem direito a perguntas. Mereceu aplausos, que entretanto se ampliaram quando o Jornal de Barcelos decidiu deixar uma página em branco, guardada precisamente para dar conta do sucedido numa conferência de imprensa para o qual fora convocado e na qual as perguntas deveriam de ficar à porta.
Muitos apelidaram de “coragem”, fazendo eco nas redes sociais online e daí rapidamente chegou aos media nacionais. Mas foi sol de pouca dura. Dias volvidos, eram alguns desses media a tratar e publicar notícias resultantes de conferências de imprensa onde os jornalistas não puderam questionar os intervenientes – primeiro o antigo primeiro-ministro José Sócrates e depois a apresentadora de televisão Cristina Ferreira.
Então e a resolução do congresso? Esquecimento generalizado (jornalistas a editores)?
Procurando estar atento ao que se passa nos media e no jornalismo português em geral, e nos regionais e locais em particular, levei algumas propostas para aquele congresso. É preciso:
1) Afirmar o jornalismo, junto dos jornalistas. Porque, entre outras coisas, é difícil de compreender e aceitar que jornalistas de meios nacionais se sirvam de trabalhos desenvolvidos por colegas de meios regionais, sem indicar a origem – algo que já não sucede quando se trata de citar a concorrência ou os meios internacionais, inclusivamente regionais estrangeiros.
2) Afirmar o jornalismo, junto do poder central, organismos estatais e públicos. Não é admissível que seja vedado ou retardado o acesso a informação daquelas instituições aos jornalistas, só porque trabalham em meios regionais ou locais.
3) Afirmar o jornalismo, no acesso aos títulos profissionais. Por um lado, temos diretores de publicações – com carteira profissional de equiparado a jornalista – sem qualquer formação ou prática jornalística. Nunca leram o estatuto ou o código deontológico do jornalista, mas dirigem jornalistas. Ou então criam publicações e fazem tudo sozinhos, desmultiplicando-se com frequência por atividades incompatíveis – segundo o estatuto do jornalista, este não pode angariar publicidade, por exemplo. Por outro, também temos este tipo de cenário envolvendo pessoas com formação e carteira profissional de jornalista. Resumindo, é preciso analisar caso a caso e não “meter tudo dentro do mesmo saco”. A bem do rigor, honestidade e credibilidade.
Volvido este mês, importará lembrar que o estado das coisas, que vai muito além dos exemplos aqui referidos, não tem a ver só com os jornalistas ou com os responsáveis dos media. Envolve-nos a todos. Porque há coisas que os profissionais têm a obrigação de fazer e o público de exigir. E em pleno ano de eleições autárquicas, toda a atenção é pouca. Aos media, aos jornalistas, aos partidos políticos e aos candidatos.
*Professor universitário e investigador de media e jornalismo