Opinião
As crianças do “Acopalix”
Estas são as crianças que eu, no meu trabalho, tenho de sensibilizar para o mundo que vão herdar, tentando não lhes dar uma crise existencial logo na idade pré-escolar.
No outro dia, contava-me uma colega de trabalho que o seu filho saiu de casa e, olhando para o céu carregado de nuvens, se virou para ela e disse “mãe!
É o céu do acopalix!”.
Não sei onde o Manel, de quatro anos, foi buscar aquela ideia - nenhum adulto sabe nunca com muita certeza onde as crianças da idade dele vão buscar certas coisas. Mas ficou ali consubstanciada toda a (legítima) ansiedade de uma geração.
Estas são as crianças que eu, no meu trabalho, tenho de sensibilizar para o mundo que vão herdar, tentando não lhes dar uma crise existencial logo na idade pré-escolar.
Quando se faz educação ambiental e se começa a explicar a importância, por exemplo, da água, vai necessariamente mencionar-se a problemática da seca.
Assim como a conversa da biodiversidade, leva, evidentemente, à lógica conclusão de que não podemos destruir habitats.
Nenhuma criança de cinco anos vai aceitar seja que assunto for sem perguntar 350 porquês, ou fazer logo ligações geniais com coisas que já viram acontecer - eu podia escrever um livro épico com mil histórias que vêm imediatamente às suas cabecinhas nestas sessões.
Não é de admirar, pois, que mais tarde uma adolescente de 16 anos, na idade de se preocupar ardentemente com o mundo, fique à beira de uma síncope quando começa a levar a sério os relatórios que explicam o que acontecerá ao seu mundo, se nada mudar. Relatórios esses que, aparentemente, não são lidos pelas pessoas que os encomendam.
Que outra explicação haverá para o facto de alguém ter lido o que ela leu e continuar sem fazer nada de verdadeiramente consequente?
E assim, as crianças, seres maravilhosamente inteligentes e intuitivos, começam a aprender o que é o apocalipse ainda antes de saberem dizer a palavra…
São elas que vão cá ficar, no mundo que nós estamos a destruir. E antes que me venham dizer que temos de parar de falar destes assuntos (da realidade!) às crianças, digo-vos: só quem está muito adormecido pelo “não quero saber” ou pelo “não tenho tempo para querer saber” é que não está agora a gritar que temos a casa a arder!
É uma inevitabilidade dura demais para ser escondida. Mesmo das crianças.
A questão é: quando é que nós, adultos, vamos começar a fazer o que tem de ser feito?