Editorial
As crianças, senhores, as crianças
O drama humano assume contornos de proximidade
A repetição (para quem leu na semana passada) é propositada.
Faz esta quinta-feira duas semanas que começou uma nova atrocidade.
Os mísseis russos continuam a esventrar prédios na Ucrânia, a dizimar casas de gente humilde, a roubar vidas inocentes, a traumatizar vidas futuras.A intensidade dos ataques tem obrigado à fuga.
E voltamos a outra repetição incontornável: às fronteiras do Leste europeu continuam a chegar milhares de mães e filhos, com uma mão à frente e outra atrás, sem perceberem ainda muito bem, como de um dia para o outro os seus sonhos foram interrompidos.
O marido, companheiro, namorado … o pai, a mãe, a avó, o avô … o tio, a tia, o sobrinho, a sobrinha … a afilhada, o afilhado, estão impedidos de sair. Outros fazem questão de ficar.
Nas zonas alfandegárias, acumulam-se rostos de ansiedade, de sofrimento, de incredulidade, de incerteza.
Até anteontem, de manhã, tinham fugido da Ucrânia 2.011.312 pessoas, segundo dados divulgados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Quatro vezes mais do que o total de habitantes na cidade de Lisboa. A dimensão é assustadora, mas tem sido também aglutinadora.
Depois da surpresa pela invasão da Ucrânia, a Europa, Portugal, e a região de Leiria em particular, continuam a responder de forma rápida, expedita à catástrofe humanitária.
O conflito fica a mais de 3.000 quilómetros, mas o drama humano assume contornos de proximidade.
São pessoas arrancadas à força das suas raízes, vítimas de uma ofensa vil à sua dignidade. São crianças. Centenas de milhares de crianças.
Crianças que após dois anos de vazio por causa da pandemia se vêem agora atiradas para o desconhecido, provavelmente com mãe, mas privadas do pai.
Do pai, dos amigos, da poça de água e lama que tanto gostavam de pisar, do jogo de fim de tarde que gostavam de partilhar.
Um murro no estômago de qualquer cidadão de bem, mas também um impulso à mobilização global, testemunhada na linha da frente do apoio humanitário pelo JORNAL DE LEIRIA.
Sim, um jornal regional, talvez o único do País, enviou uma equipa de reportagem à fronteira da Hungria com a Ucrânia, não só para fazer a cobertura da entrega dos bens doados pela população, mas também para engrossar a caravana de viaturas disponíveis para trazer refugiados para Leiria.
Somos, assumidamente, um jornal de causas.
Por isso, uma vénia a todos aqueles que por estes dias se têm feito à estrada para recolher e acolher pessoas que fogem da guerra.