Opinião

Brincar com números

13 nov 2021 15:45

O crescimento do PIB não revela, por si, qualquer informação relevante quanto à distribuição de rendimentos na população

Meu caro Zé,

Inopinadamente, ou talvez não, Portugal vai entrar em eleições antecipadas. Não vou falar das lutas partidárias, mas dos disparates de argumentos que tenho ouvido e que vão prolongar-se por este tempo pré-eleitoral.

Um deles é a existência de uma maioria de esquerda no Parlamento, que me fez lembrar algo que o professor Guimarães, na Escola de Santo Estevão, nos repetia: “Não podemos somar alhos com bugalhos”.

De facto, existe (e poderá voltar a existir) uma maioria de deputados de partidos que se afirmam de esquerda. Só que não há, como se provou, uma maioria política de esquerda, ou seja, uma “propriedade comum” que torne “homogéneas” as suas posições.

A soma é válida apenas para referir um conjunto mais amplo que reflete algumas posições e princípios comuns. Alarga-se o conjunto, perde-se informação.

Estes equívocos são ainda mais evidentes em comparações intertemporais com conceitos de largo espetro, como é o caso do PIB.

Nesse, o crescimento de um euro nos salários é igual ao crescimento de uma unidade de lucro e, assim, podemos adicioná-los.

Percebe-se, por isso, que o crescimento do PIB não revela, por si, qualquer informação relevante quanto à distribuição de rendimentos na população.

Mas os equívocos maiores surgem na omnipresente comparação de taxas (percentagens) de variação do PIB, esquecendo que 1% de 10.000 é bem maior (em euros) que 20% de 100.

Ora, por exemplo, o déficit e a dívida medem-se em euros e não em percentagem e o facto de baixar a relação dívida/PIB não significa que haja menos euros a pagar aos credores, mas sim que poderá haver, em princípio, uma menor taxa de esforço nacional para conseguir amortizar essa dívida.

Mas como o défice é um valor anual, tal como o PIB, e a dívida é um valor acumulado ao longo dos anos, o que se passa num dado ano está longe de refletir a verdadeira capacidade de amortizar a dívida.

Quando se comparam taxas de evolução ao longo do tempo, então, surgem as “meias verdades” que se “engolem” com grande facilidade.

Uma queda do PIB de 100 para 80 significa uma queda de 20%. Mas uma subida de 80 para 100 (para comparar o valor inicial de 100) exige uma subida de 25%.

Portanto, há uma “habilidade” na comparação de taxas entre períodos de queda do PIB e períodos da sua recuperação, algo que é permanentemente esquecido.

E já não se fala das circunstâncias externas que afetam o PIB, como, por exemplo, as restrições externas (com cortes obrigatórios) impostas no período da “austeridade” como o período da pandemia, em que, em vez de cortes e obrigações de contenção do défice, houve alívio.

Com se vê, pode-se “brincar” com os números. Diz-se que “com papas e bolos se enganam os tolos”. Pelos vistos, com números também… e não só os tolos.

Até sempre,


Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990