Opinião
Calma, minha gente!
Precisamos de reservar pequenos paraísos de tranquilidade dentro da nossa vida agitada
Setembro chegou e com ele todos os recomeços, mesmo que nos aconteçam a muito diferentes velocidades, entusiasmos e intensidades. Mais do que nos múltiplos e soleníssimos votos de Janeiro – proferidos mais pelo efeito galvanizador das badaladas, das passas e do champanhe do que fruto de um repensar da nossa vida -, é agora, em Setembro, que devemos a nós próprios um verdadeiro esforço no sentido de um recomeço mais bem pensado e capaz de melhorar a nossa vida neste novo ciclo.
Não todos, com certeza, mas muitos, demasiados, vivemos a alta velocidade, impelidos pela necessidade de tentar chegar a todo o lado e de querer fazer todas as coisas, como se disso dependesse o nosso bem, a nossa alegria de viver, e a nossa capacidade de construir. Engano enorme.
Vivemos a contar os minutos que faltam para o próximo compromisso, as horas que temos até terminar o próximo prazo e, não tardará, os meses que faltam para as próximas férias, ansiosos pelo descanso, não tanto físico, mas, sobretudo, mental.
Corremos demais, sossegamos de menos e vivemos pouco o mais importante da vida: nós próprios, os que nos rodeiam, os nossos pensamentos e as nossas emoções.
Precisamos de conversar mais sobre o que pensamos e fazemos, e precisamos de ouvir o que fazem e o que pensam os que nos rodeiam; precisamos de mais tempo para gargalhadas, parvoíces e descompressão; precisamos muito de tempo para estarmos sós, para arrumar, reflectir e ajustar pensamentos; precisamos de poder gozar momentos de puro ócio, sem culpa; e precisamos de poder viver alguns momentos de tédio que, fazendo parte da natureza humana, nos mergulham numa calma e aborrecimento que acabarão por se transformar em ponto de partida para finalmente iniciarmos tarefas maiores, ou mesmo em estímulo para a criatividade.
Precisamos de reservar pequenos paraísos de tranquilidade dentro da nossa vida agitada, de modo a não nos sentirmos desconfortavelmente obrigados a prosseguir sem grande vontade ou com falta de forças, acabando por não nos sentirmos tão felizes como devíamos na realização do trabalho de que genuinamente gostamos.
Li há tempos o belo texto O Acto Gratuito, de C. Lispector (do livro Aprendendo a Viver), que plasma magistralmente tanto a enorme pressão e desgaste a que muitos dia-a-dias estão sujeitos, quanto a necessidade de um acto de liberdade que o interrompa e nos devolva a nós próprios, um acto que manifestasse fora de mim o que eu secretamente era.
O texto narra a experiência vivida quando, num dia em que se sentia cansada da luta do dia-a-dia, um impulso a fez ir visitar o Jardim Botânico, Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver e, demorando-se a caminhar no jardim se foi afastando da entrada enquanto a tarde ia caindo, sentiu um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais, achar a porta de saída.
Não deveríamos precisar de nos perdermos para nos podermos encontrar, embora esse seja às vezes o processo de chegarmos a nós. Precisamos sim, é de não nos perdermos de vista.