Opinião

Centro Cívico

11 mar 2023 16:33

Espaços culturais ao serviço do povo que cria e do povo que desfruta da criação. Não é assim que deveria ser sempre?

 “Sabes quando trabalhas com gosto? Soam tremendamente bem, falam castelhano sem qualquer problema, têm um equipamento espectacular e são super majas”.

Apanho a conversa entre o técnico de som e uma das responsáveis pela organização do “Coincidents - ciclo de concertos de música de agora, amplificada, de estilos diversos, principalmente emergente e feminina”, uns minutos antes das portuguesas Golden Slumbers subirem ao palco do Centre Cívic Casa Elizalde, em pleno centro de Barcelona. Não consigo evitar sentir aquela pontinha de orgulho tuga meio bacoco.

Como se não fosse absolutamente normal elogiarem os nossos artistas por serem esmerados profissionais… ainda mais tratando-se das estupendas irmãs Falcão, cujo último álbum, “I Love You, Crystal”, é um dos meus favoritos do ano passado e um manual de como construir canções perfeitas à base de harmonias vocais de excepção e melodias tão doces e sumarentas como o melhor pêssego que comeste em cada Agosto da tua vida.

Um disco tão bom, que a Hidden Track Records, uma das mais importantes editoras independentes catalãs da actualidade, não perdeu tempo a editá-lo por estas bandas.

Enfim, foi só um leve esbirro desse tal “orgulho tuga bacoco”. Quase sempre inevitável. É que, embora longe de ser inédito, também não é todos os dias que uma banda portuguesa vem tocar num evento fundamental de um circuito profundamente enraizado em Barcelona, como é o dos “Centres Cívics”.

Há 52 espalhados por toda a cidade. Essencialmente, são espaços de acção cívica, cultural e social, apoiados pela autarquia e com programações quase sempre gratuitas, pensadas em grande parte para fomentar linguagens artísticas ecléticas, com foco nos mais variados tipos de públicos (não confundir com para agradar aos mais variados tipos de públicos). Basicamente tudo o que as casas do povo, ou as associações recreativas em Portugal podiam ser e raramente são.

Cartas e dominó, workshops de cerâmica, aulas de dança, ou apoio social a crianças, idosos e famílias vulneráveis, convivem com festivais indie míticos, como o Mini Festival Pop, que ainda há dias celebrou a 26ª edição no Centre Cívic, ou com as mais inovadoras feiras de comics e ilustração do momento. Tudo certo. Espaços culturais ao serviço do povo que cria e do povo que desfruta da criação. Não é assim que deveria ser sempre?