Editorial
Chouriços em varanda alheia
Do alto do nosso bom senso cívico, não imaginaríamos o vizinho de cima a ‘curar’ chouriços na varanda, deixando escorrer a gordura para a nossa roupa acabada de lavar
Um destes dias, numa oportunidade aproveitada para esticar as pernas no ambiente de ruralidade que ainda cerca a cidade de Leiria, algo quebrou repentinamente a tranquilidade do momento.
Num pequeno bairro, com prédios de rés-do-chão e primeiro andar, dotados de um pequeno jardim (cuidado por sinal) e algumas árvores no espaço público envolvente, o silêncio foi interrompido por um par de vozes exaltadas.
No apartamento de cima, uma jovem tinha chegado à varanda e, sem cerimónias, desatado a sacudir o tapete como se não houvesse rés-do-chão.
No andar de baixo, a moradora, que parecia estar de sentinela à espera de apanhar o flagrante delito, reagiu de imediato.
Em tom indignado, mas educado, a mulher, de meia idade, reclamou: “A menina não devia estar a sacudir os tapetes para o meu terraço”.
A resposta não se fez esperar: “Vá mas é para dentro sua velha rezingona, eu sacudo os tapetes quando me apetecer”, vociferou a jovem, num tom de superioridade.
Coitada daquela Dona Maria, que deve ter investido as suas poupanças num apartamento de superior qualidade, supostamente em zona tranquila, com chilrear de pássaros garantido pela manhã e mini-mercados a uma centena de passos, mas que não trazia acoplado o perfil psicológico dos restantes inquilinos.
Como esta semana vos damos conta, a urbanidade já não é só um aglomerado de condomínios.
Começa a ter cada vez mais “condemónios”, segundo definição do presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, que embora proferida em tom de brincadeira não disfarça o desconforto crescente entre condóminos em alguns prédios da nossa região.
Do alto do nosso bom senso cívico, não imaginaríamos o vizinho de cima a ‘curar’ chouriços na varanda, deixando escorrer a gordura para a nossa roupa acabada de lavar.
Muito menos ter um condómino com gansos como animais de companhia. Mas é isso que têm que gerir actualmente alguns administradores de condomínio. Ou, em último caso, os Julgados de Paz.
Viver em comunidade nem sempre é fácil. Ainda assim, e tendo em conta alguns destes exemplos, será que, apesar de continuarmos a trilhar o caminho dos direitos de cidadania, não estamos por vezes a esquecer-nos da responsabilidade dos nossos deveres?