Opinião
Cinema | A Faca, a Carne e o morte dos Meios na prateleira dos Frescos
Crítica | "Eis algo que não um filme… e aqui somos todos cegos"
O Cinema físico, expressões como a imagem em movimento e o som, resultam ainda que apesar de tantas horas, técnica e mestria aplicadas apenas numa pequena porção palpável do cinema que existe, mais ainda, o cinema físico é mínimo na escala do cinema que nos é sensível.
É sobre esta pequena eletricidade sinestésica que o Cinema desperta em todos com tamanha facilidade aparente que procuramos nos dois lados da objetiva, a imagem que perdura, um still maior do que a vida, um fôlego mecânico, exemplo de todas as poeiras respiráveis do distintamente humano.
Quando em choque com outros dispositivos artísticos, leigamente, o Cinema chega lá e faz. Mas porque é que o Cinema nos faz sentir? Porque é que um cão a dormir suavemente à sombra de uma porta nos pode suscitar coisas imediatas como calma inerente? Alegria? Talvez Sono?
Não há nada de arrebatadoramente único neste tipo de imagem, este cão pode ser um cão do nosso bairro. Admitamos, pronto. Este é o cão que vagueia o nosso bairro. Por ocasião surge uma festa na cabeça, por conveniência, o tacho com os restos do arroz, e assim para os dois o peso dos dias escorre com qualquer momento mais.
Mas filme-se o cão que vagueia no nosso bairro, pinte-se o cão que vagueia o nosso bairro. A ocorrência do belo efémero denotada e registada. De caras, alguém diz, o filme do cão é mais imersivo! O quadro do cão vale mais!
Isolar onde na Tela pintada e projetada reside uma atração pela imagem não é de todo uma introspeção possível de iniciar sem um olhar bucólico sobre os mecanismos de emoção intrínsecos ao individuo… A relação a fazer com a imagem e o espectador é emaranhadamente crua e é esta, a da Faca para com a Carne… onde sucintamente é impossível entender a ferida sem a respetiva faca, nem de entender a faca sem desferir um golpe… O Cinema é um pouco essa faca… Errata.
Toda a arte em existência é essa faca. O caso a fazer-se do cinema é este, talvez seja a pouca faca que ainda corte. Aqui não teço elogios rasgados de como a “sétima” é mais irreverente ou que no meio a insolência criadora necessária é maior. Impossível renegar a arte mundial a esse fim. Mas que valor é este? O que o quadro que vale mais, o de o filme em que eu “vejo” mais?
Na sua génese, o cinema desde muito cedo foi uma arte pública, difusível, e até certo ponto a seu favor, sustentado por um material contrabandeável. A pintura atingiu um estado triste, um necessário para a produção e o sustento, o quadro que se fecha, o quadro que é coleção. Mais pessoas deviam chorar os quadros trancados e as feridas que não nos autorizam a abrir. O Cinema chega lá e faz, infelizmente porque é o único que ainda chega, para comer.
Eis algo que não um filme… e aqui somos todos cegos.
*Aluno na ESAD.CR
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990