Opinião

Cinema | A magia real do cinematógrafo

13 set 2018 00:00

A Um Passo da Liberdade (1960), realizado por Jacques Becker, retrata o plano de fuga de quatro prisioneiros, que com a chegada do novo recluso Claude Gaspar (Marc Michel) à sua cela, vêem o seu plano posto em causa.

Isto, porque não sabem se podem confiar no estranho que acabou de ser transferido.

Quatro anos antes, Robert Bresson exibia nos cinemas o seu filme Fugiu Um Condenado À Morte (1956), que também tem como tema a prisão.

Este filme de Becker retoma alguns princípios do grande realizador francês Bresson: a rejeição de actores profissionais, porque interpretam, para usar “modelos” porque vivenciam e evitam efeitos dramáticos nos seus gestos e na sua voz (este filme conta com a participação de Jean Keraudy, que como anunciado por ele mesmo no prólogo, esteve envolvido numa tentativa de fuga da prisão francesa, em 1947); a economia de meios (Quando um violino é suficiente não se deve utilizar dois in Notas Sobre O Cinematógrafo, de Bresson) e uma estética depurada, ausente de qualquer apontamento supérfluo.

Não há cortes para efeitos dramáticos. O espectador vê a acção a ocorrer “em tempo real” (por exemplo quando tentam abrir um buraco no chão cimentado, mas as marteladas produzem muito ruído) e é a dificuldade que o obstáculo cria à personagem que gera uma inquietação no espectador.

Quem assiste quer tentar perceber se algum guarda aparecerá para os deter em flagrante delito, mas o realizador não o permite, porque permanece com a personagem e a acção, deixando o plano durar e o espectador sentir o peso do tempo.

O facto de quase nunca vermos outros prisioneiros, de haver um baixo número de guardes, que não significa falta de vigilância, e até o pouco uso de planos gerais expõe o baixo orçamento do filme, contudo isto pode ser usado para dar força ao sufoco e a clausura que as personagens vivem. Becker não salta de lugar em lugar aleatoriamente, ele explora e aprofunda as relações existentes neles, principalmente na cela onde os cinco prisioneiros convivem diariamente.

Há uma reflexão sobre a solidariedade, fraternidade e confiança, cartas que têm de ser dadas para que a fuga seja um sucesso, mas que sendo as mais difíceis de concederem permitem que o perigo esteja sempre à espreita.

Não há palavras em excesso ou a ambicionarem o protagonismo. O realizador nos momentos de tensão deixa que o silêncio comunique esgotando-se e só então se for necessário usará a palavra. É verdade que o passado das personagens poderá ter ficado esquecido, mas ele também não explicaria nada.

Termino com uma citação do livro de Bresson já referido acima: “chamarás belo a um filme que te der a ideia elevada do cinematógrafo”. E este filme dá-nos a ideia do que é O CINEMA.

*Aluno na ESAD.CR