Opinião
Cinema | A última sessão
Um excelente exercício cinematográfico, e o trabalho dos dois protagonistas faz valer, por si só, os cerca de 110 minutos de filme
Londres, setembro de 1939. O neurologista austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise, toma conhecimento da invasão da Polónia pelo exército nazi, evento que marcará, historicamente, o começo da Segunda Guerra Mundial. Em 1938, na sequência da anexação da Áustria pela Alemanha, Freud e a família haviam encontrado exílio na capital britânica, escapando do cerco movido pelas autoridades nazis ao médico austríaco, cuja origem judaica e posições críticas do regime lhe valeriam, seguramente, a morte. Envelhecido e doente, Freud viria, no entanto, a falecer nesse mesmo mês de setembro de 1939.
Alegadamente, numa das suas últimas sessões, Sigmund Freud recebera um professor de Oxford, com quem terá discutido os seus pontos de vista sobre Deus e religião, entre outros temas. Apesar das origens judaicas, Freud era um convicto ateu, defendendo que Deus nada seria além de uma ilusão baseada na infantil necessidade emocional de uma entidade patriarcal poderosa e sobrenatural.
A Última Sessão de Freud (Freud’s Last Session), filme de 2023 com realização de Matt Brown, ficciona um hipotético encontro entre Freud e C.S. Lewis, baseando-se nesse alegado encontro entre o neurologista e um professor de Oxford, tema explorado na peça de teatro homónima de Mark St. Germain, que também assina o argumento. C.S. Lewis, cuja obra mais reconhecida será porventura As Crónicas de Narnia, pertenceu, juntamente com o seu amigo J.R.R. Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis) ao grupo literário Inklings, formado precisamente na Universidade de Oxford. Lewis, que terá passado por uma crise de fé na adolescência, tornou-se (consta que, em grande parte, por influência de Tolkien) um reconhecido defensor do cristianismo anglicano, o que, a par da sua experiência como combatente na Primeira Grande Guerra, o terá tornado o protagonista ideal para este encontro ficcionado entre as duas personalidades históricas.
Em A Última Sessão de Freud, é Anthony Hopkins que dá corpo ao médico austríaco, enquanto Matthew Goode assume o papel de C.S. Lewis. A par de uma série de outras boas prestações do elenco, a entrega e a dinâmica entre os dois atores será mesmo o melhor que o filme de Matt Brown tem para oferecer. Apesar da interessante premissa e da potencialidade do tema, o filme acaba por perder o ritmo imposto pelos curtos duelos filosóficos ou acesas tiradas ideológicas, devido às constantes analepses para contextualizar o percurso ou momento das personagens.
A Última Sessão de Freud é, todavia, um excelente exercício cinematográfico, e o trabalho dos dois protagonistas faz valer, por si só, os cerca de 110 minutos de filme. No limite, e citando o Freud de Hopkins: “De erro em erro, se descobre a totalidade da verdade”.