Opinião

Cinema | A vida nos bosques

28 set 2023 09:00

O trabalho de Copley, como protagonista, é de um nível superior e empresta uma verosimilhança a toda a prova à personagem. O realizador Tony Stone, por sua vez, vê-se obrigado a salientar as atitudes misóginas, violentas e antissociais de Ted, emoldurando-as num quadro de crescente desequilíbrio mental

“A tecnologia moderna é a pior coisa que aconteceu ao mundo, e promover o seu progresso é nada menos que criminoso”.

São palavras de Ted. Algumas entre as muitas que deixou registadas em cerca de 25.000 páginas de escritos. Ted que, apesar do seu QI de 167, decidiu voluntariamente renunciar a uma breve mas promissora carreira como professor de matemática em Berkeley, na Universidade da Califórnia, para se isolar numa cabana remota, no estado do Montana, onde procurou levar uma vida próxima da natureza e da auto-suficiência.

Ao longo dos anos seguintes, e ao aperceber-se da destruição da floresta ao redor da sua pequena propriedade, por via do desenvolvimento imobiliário e industrial, cresce-lhe a revolta contra o que considera ser a restrição da liberdade e da dignidade humanas por força do que apelida de Sociedade Industrial.

Ted, ou Theodore Kaczynski, será o responsável, entre 1978 e 1995, por (pelo menos) 16 ataques à bomba, dos quais resultaram a morte de três pessoas e ferimentos noutras 22, numa série de ações que lhe valeram a denominação de Unabomber, além de uma feroz e dispendiosa perseguição por parte do FBI, a mais longa da história desta agência de segurança.

Ted K – O Unabomber (Ted K, 2021), filme de Tony Stone, com um brilhante Sharlto Copley no papel de Ted Kaczynski, chega às salas nacionais praticamente dois anos após a sua estreia na Berlinale. Curiosamente esta estreia sucede apenas alguns meses após a morte de Kaczynski, que se encontrava detido desde 1996, a cumprir uma pena de oito sentenças de prisão pepétua, sem possibilidade de liberdade condicional.

Ted K é um filme intenso e envolvente, que se foca no processo de radicalização e de crescente instabilidade emocional do homem por trás do Unabomber. As palavras em off, que sublinham a fotografia cuidada e a cinematografia pungente, são as do próprio Kaczynski,,o que confere um ambiente pesado e denso aos 120 minutos de duração da película. Visualmente, a abordagem oscila entre um estilo documental e uma opção por sequências mais “oníricas” que parecem servir para pouco mais do que distanciar o autor do filme do discurso do terrorista. O trabalho de Copley, como protagonista, é de um nível superior e empresta uma verosimilhança a toda a prova à personagem. O realizador Tony Stone, por sua vez, vê-se obrigado a salientar as atitudes misóginas, violentas e antissociais de Ted, emoldurando-as num quadro de crescente desequilíbrio mental; é a forma mais simples de afastar a mensagem do filme da oratória do ambientalista radical que este retrata, algo que facilmente encontraria eco no mundo bastante polarizado da atualidade.