Opinião
Cinema | O Cinema na Encruzilhada
Portugal é um país onde o cinema, como espaço físico, tem sido sistematicamente ignorado, nunca se pensando na sua preservação, juntando-se a isto ausência de políticas de distribuição de filmes independentes
Em Lisboa, as grandes salas de cinema têm sido destruídas ou mutiladas - talvez a única que resta, com as características originais, seja o Cinema Império, mas para se ver isto será preciso entrar no espaço de uma religião evangélica, que garantiu o seu usufruto.
Quantos cinemas terão sido destruídos por esse país fora? Temos dados estatísticos?
Nos últimos anos foi restaurado o Cinema Ideal, que subsiste, como uma ilha, mas que não tem projectores de 35mm.
Como é que um espaço recentemente redesenhado para o cinema independente e as vozes alternativas é pensado de modo a só permitir a projecção de filmes digitais, excluindo o arquivo analógico e portanto parte da história do cinema?
A partir do momento em que não permitimos a película, impera o digital e a necessidade física do espaço começa a desaparecer com o desaparecimento da fisicalidade do filme, neste caso a coincidência não existe.
Com o digital aniquilando a necessidade do analógico chegamos a um outro paradigma da obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.
Uma nova geração de cinéfilos em Portugal escreveu um livro cujo titulo nos diz que o cinema não morreu.
No entanto, essa mesma geração vê a maioria dos filmes no computador e não no cinema. O que não morreu não foi o cinema, mas sim o acto de ver filmes, esse sim, de facto, não morreu.
Algo importante mudou, e temos de ter noção disso: não existe uma rede de cinema independente que alcance o país; quem quer ver filmes independentes regularmente, descontando as oportunidades únicas trazidas pelos festivais, tem de fazê-lo online.
Mundo estranho este em que vivemos em que o online é o novo reduto de quem tem perspectivas diferentes.
O problema é que deixou de ser normal ir ver cinema independente, termos filmes que ficam em cartaz pelo menos um par de semanas, que podemos ver sem a pressão de que, se não temos disponibilidade naquele dia àquela hora, a oportunidade desaparecerá.
A normalidade de ir ao cinema, a normalidade de ver filmes independentes no cinema quase desapareceu em Portugal; para vermos cinema de autor num espaço físico tem de ser porque se trata de um filme-evento, ou faz parte de um festival, ou de uma temporada temática, ou porque tem um elemento ao vivo.
É grave esta perda da normalidade no ver- se cinema independente, pois com ela vem a perda de um sentido de algo essencial.
O cinema pode não ter morrido mas talvez a experiência colectiva de ir ao cinema para ver filmes independentes, fora de festivais de cinema, esteja moribunda em Portugal.
Estamos numa encruzilhada.
Para que futuro caminhamos?