Opinião
Cinema | Porque é o que eu te estou a dizer
O cinema documental é, atualmente, e de forma premente, um dos meios mais diferenciados para despertar essa consciência crítica e política, que cada vez mais o algoritmo limita
A aproximação ao final do ano é, habitualmente, sinónimo de balanços e listagens, relações, ordenações e contradições. Os melhores, os piores, os mais e os menos, os certos e os errados, os bons ou os maus. Proliferam ordens ascendentes ou desordens incidentes, de teor mais ou menos independente, às vezes propositadamente a despropósito, e destinadas quer a conhecedores criteriosos ou curiosos distraídos. E isso, meus caros, é exatamente… o que não vai acontecer nesta coluna.
A vida é demasiado curta para beber mau vinho, como diz o dito (e eu não desdigo), até porque estou demasiado ocupado a efetivamente abrir garrafas de vinho para sequer conseguir organizar uma lista que não soe incoerente ou que, no mínimo, seja coerentemente discutível. A quem preza este tipo de presente ou a quem apraz apresentações redondinhas e indiscutivelmente incoerentes pode, ainda, tentar desencantar um exemplar do Ípsilon 25 e encetar comportamentos culturalmente masturbatórios ou socialmente derrogatórios, sem conteúdo obrigatório.
Por cá, ainda que este seja o último texto do ano (o que por si só já fará suspirar de alívio a mão-cheia de almas que o lê), não vamos embarcar em competições e classificações, correndo sérios riscos de objeções e possíveis abjeções, que o excesso de vinho ou a falta de tempo poderiam, à partida, potenciar. Com esta declaração de intenções feita, já lá vai metade da contagem de caracteres, ainda sem recurso à inteligência artificial ou dicionário de sinónimos. Nada mal…
Não se pense que, mesmo sem consenso, não apenso conteúdo, apenas porque não listo um registo do que, insisto, não representará um válido conselho ou indicativo normativo para o leitor mais exigente. Esta altura do ano é, aliás, propensa e prolífica em descobertas e reflexões, não o nego, e aproveito a oportunidade, sem veleidade, para defender ou promover o que, a meu ver, é um género cujo génio está precisamente na ligação ao momento, presente ou passado, mas cuja capacidade de contar histórias não depende da necessidade de gerar conteúdos mas, ao invés e por vezes de través, é ele próprio o conteúdo e o momento.
Se toda a arte é política, ou pelo menos se quer crítica, o cinema documental é, atualmente, e de forma premente, um dos meios mais diferenciados para despertar essa consciência crítica e política, que cada vez mais o algoritmo limita. Se no cinema em geral, instituído mais como indústria do que como arte, o financiamento é tantas vezes orientado e cooptado pelos interesses comerciais, no documentário em particular parece subsistir um sentimento de resistência, cuja insistência numa tomada de consciência, ainda permite aspirar a que, talvez um dia, sem perdas em demasia, o conteúdo não se sobreponha à mensagem e seja ainda possível humanizar os humanidade.
Por este ano está feito, vou abrir outra garrafa enquanto ainda há orçamento, mas não sem antes largar aqui os votos de boas festas. Um enorme bem-haja, despeço-me com amizade...