Opinião
Como?
Os distúrbios do comportamento alimentar acometem cada vez mais pessoas e acarretam várias e diversas complicações, de múltiplos foros, pondo em sério risco a vida destes doentes
Homógrafa para os nortenhos, homónima para os demais, a palavra “como” tanto pode ser um tempo verbal como um advérbio relativo. O Ricardo Araújo Pereira expõe e esmiúça muito bem esta questão fraturante da nossa língua. Mas mais fraturante e nada, mesmo nada, relativo é este advérbio, mas na sua expressão verbal, para um cada vez maior número de pessoas.
Os distúrbios do comportamento alimentar acometem cada vez mais pessoas e acarretam várias e diversas complicações, de múltiplos foros, pondo em sério risco a vida destes doentes. São as mulheres as mais acometidas por estes distúrbios. A maioria com início entre os 14 e os 18 anos.
A anorexia nervosa e a bulimia são as mais conhecidas. Como se distinguem? Na primeira não se come verdadeiramente. Na segunda, há a ingesta compulsiva seguida de provocação de vómitos. Em ambas, a distorção da percepção do próprio corpo.
Contrariamente ao que se pode pensar, não é fácil reconhecer estas doenças. Na anorexia nem o próprio doente a reconhece. Na bulimia sim, mas não a consegue evitar. Tratando-se de doenças que surgem mais frequentemente na adolescência é muito fácil atribuir aos pais a responsabilidade, ou a culpa, de ter deixado o seu filho “chegar a este ponto” (já agora, ainda que mais associadas a raparigas, estão cada vez mais a emergir nos rapazes). Nada disso. Absolutamente. O facto é que são vários os subterfúgios que esta doença impõe aos seus doentes, e não é fácil perceber essa dissimulação, não intencional nem maldosa, do doente anorético ou bulímico.
No primeiro, tudo faz para evitar comer à frente dos demais. E quando não consegue evitar, espalha a comida pelo prato, guarda-a na boca e vai à casa de banho deitá-la fora, esconde-a no guardanapo, na roupa... Tantas, tantas coisas, que aqui descritas até parecem óbvias e fáceis de perceber. Mas não são. O bulímico come, e até muito, mas logo de seguida purga tudo. Às escondidas, claro. E fá-lo tanta vez que chega a ganhar calos nos dedos. Mas nada fáceis de ver.
Tem aumentado nos últimos anos o número de doentes com distúrbios alimentares. Várias considerações se poderiam fazer sobre isso. Não importam assim tanto. O que importa é conseguirmos reconhecê-las antes que seja tarde demais. E para isso toda a ajuda é pouca. O ónus não é, e nem pode ser, só da família. Na escola, no grupo de amigos, todos são chamados a estar atentos. A moda de hoje não ajuda, com as suas roupas exageradamente largas. E o bulímico não é magro. Mas se algum colega tiver algum comportamento menos comum face aos alimentos, conversem. Irá seguramente negar. Faz parte. Não é por mal. Mas não desistam e partilhem a vossa preocupação.
Todos, mesmo todos, temos obrigação de atentar ao outro. Este é só um exemplo. Importante e preocupante. Outros também merecem a nossa atenção. Neste, não vale brincar com o trava-línguas “se eu como como como e tu comes como comes…” e “fazer de conta”.
Precisamos todos de comer. Bem. Atentemos. Pela nossa saúde e pela saúde dos outros.