Opinião

Como nos sentimos?

4 mar 2021 22:58

Reforçar comportamentos de tolerância, cooperação e afeto, clarificar pensamentos e sentimentos e procurar não julgar o outro por não os ter reconhecido é o caminho

Nos últimos 11 meses, mais de 70 mil portugueses pediram apoio psicológico.

E vocês como se sentem?

Os tempos que vivemos são um ataque à nossa saúde mental e convidam à inquietação, à angústia, ao medo, à incerteza, ao desgaste, ao cansaço, à insatisfação, à desmotivação, à saudade… (e podem continuar se quiserem). É natural chorar, desesperar, ficar irritado, impaciente e frustrado. É a fadiga da pandemia, dizem.

Estávamos ainda com os bofes de fora depois de um primeiro confinamento, a salivar por um abrandamento da coisa e levamos com um chapadão outra vez. Mas se no princípio estávamos todos no mesmo barco face ao desconhecido, desta vez não estamos na mesma posição. Agora, todos de alguma forma, já experienciámos os efeitos da pandemia e naturalmente os impactos psicológicos são diferentes de acordo com o que se viveu. Cada um dentro da sua condição sofreu e sofre com esta realidade que nos priva.

No entanto, nem tudo são más notícias. A parte boa é que desta vez podemos usar a experiência do primeiro confinamento a nosso favor. Quem continuará a fazer bolos e pão depois de ter engordado que nem um texugo? Pois é, a malta aprende com os erros. E quem se reinventou e achou que não conseguia? Todos aprendemos e todos encontramos potencialidades escondidas, como que sentadas no banco de suplentes prontas a entrar em jogo. E se há coisa que este confinar nos trouxe foi a garantia de que somos resilientes e que nos adaptamos a situações adversas, continuando a ser produtivos e a responder a várias tarefas ao mesmo tempo.

Se isto cansa? Claro que sim. Se ainda temos forças? Não sei se as temos todas, mas que tal repetir o que correu bem e modificar o que correu mal?

Se isto não chega, se a experiência anterior não alenta e se não sabemos bem como fazer e por onde começar, ficam aqui umas dicas. Dicas que podem encontrar na íntegra no site 1 da Ordem dos Psicólogos Portugueses, organização que tem sido incansável na construção de materiais de apoio relativos à COVID-19. Desde sugestões relacionadas com as relações, a sexualidade, o autocuidado e o bem-estar, a ansiedade, a resiliência, o sono, entre outras tantas informações que podem ser úteis e aliviar um bocadinho a carga.

As relações conjugais, por exemplo, é natural que se ressintam. Partilhar o mesmo espaço físico 24 horas por dia pode reforçar laços e unir ainda mais os casais ou, pelo contrário, fazer notar diferenças que funcionam como gatilho a discussões frequentes. As estratégias que antes usávamos para gerir o stress estão agora limitadas. Não há cá jantaradas, idas ao ginásio e a concertos, fins de semana fora… e ao estarmos mais ansiosos e preocupados, estamos igualmente mais reativos, críticos e menos tolerantes e muitas vezes partimos do princípio de que o outro sabe (ou se não sabe, devia saber) o que estamos a pensar ou a sentir
em determinada situação. Wrong! Reforçar comportamentos de tolerância, cooperação e afeto, clarificar pensamentos e sentimentos e procurar não julgar o outro por não os ter reconhecido é o caminho. Atenção também ao desconfinar, que poderá criar conflito caso o casal tenha perspetivas distintas sobre o comportamento a adoptar fora de casa ou uma ideia muito diferente de adaptação à nova realidade (diferentes ritmos e níveis de medo e ansiedade). Leiam! Vai ajudar, tranquilizar e empatizar.

Também a sexualidade está pelas ruas da amargura. Estudos referem que a discrepância do desejo sexual e o seu agravamento nas relações, em contexto de pandemia, é habitual e expectável. Mas também os que não estão numa relação podem passar as passas do Algarve ou, como diz um amigo meu, atravessar uma longa travessia no deserto, isto, obviamente, para quem tem responsabilidade pandémica. Cumprir distanciamentos e etiquetas respiratórias não se coaduna com a prática do amor e pode agravar a sensação de isolamento e de solidão e até desenvolver o chamado fear of dating again. Procurem, existem recomendações e dizem que continua a ser possível qualquer coisa.

O autocuidado é uma necessidade de saúde psicológica. Hoje e sempre necessário, mantem- nos à superfície, afasta o stress e a ansiedade e torna-nos menos vulneráveis, mais enérgicos e resilientes. Há estratégias para levar, muitas do senso comum, verdadeiras "lapalissadas", mas que escritas ganham outro valor. A título de exemplo: fazer uma lista de todas as atividades que nos fazem sentir bem, relaxados e felizes e reservar um momento do dia para as pôr em prática; pensar numa ocasião em que nos rimos sem parar; arranjar-se e pôr-se bonito/a (eu, mesmo em casa, não dispenso umas boas borrifadelas de perfume diariamente).

O sono, esse eterno reparador. A pandemia tem-nos feito passar mais horas em frente aos ecrãs, seja para ver notícias, participar em videochamadas ou para trabalhar e ocupar tempos livres. Todo este excesso de ecrã, muitas vezes fora de horas, tem consequências negativas no sono, pois o cérebro continua a ser estimulado em horário de descanso: o relaxamento fica mais difícil, o ritmo circadiano altera-se e há diminuição da produção de melatonina (a hormona do sono). Mais uma vez, existem recomendações, desta vez para desligar a ficha.

A ansiedade financeira também é uma malandra que teima em aparecer. E para além da mossa que faz, vem muitas vezes acompanhada de vergonha. Contudo, a partilha destas preocupações financeiras pode ajudar a diminuir o stress sobre o dinheiro e pode até ajudar a arranjar novas estratégias para resolver essas questões. Mais truques online.

Como se percebe, são muitas as necessidades de saúde psicológica que estão em stand by, daí a importância de estarmos atentos ao que sentimos.

No último texto que vos escrevi, bem lá no fundo, falei da importância de nos pormos em primeiro lugar, principalmente quando percebemos que não estamos bem. E isto não quer dizer que temos de procurar ajuda psicológica. Existem outros passos antes desse. E um deles é não esquecer as coisas básicas: garantir horas de sono adequadas; fazer pausas ao longo do dia para relaxar; fazer refeições saudáveis e atividade física; manter, de forma segura e dentro das restrições, o contato com a família e os amigos. Tudo menos achar que somos capazes e fortes como o aço, que amanhã passa, que é só uma fase, que é falta de uma noite bem dormida. Isso são só desculpas que vão arrastando um mal-estar que se vai agudizando. E depois? O que acontece? Comprometemos a vida profissional, desgastamos as relações pessoais, desinvestimos aos poucos de tudo e até de nós mesmos. E para quê andar com o mundo às costas se podemos aliviar um bocadinho? Rebobinem as VHS e procurem um anúncio publicitário que dizia: se eu não gostar de mim quem gostará? (Ok, podem procurar no youtube. Sou só eu a achar que já tenho muitos anos disto.)

1 https://www.ordemdospsicologos.pt/pt